Título: Nenhum país faz concessão sob pressão
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Fonte: O Globo, 28/11/2009, O Mundo, p. 40

Representante brasileiro na AIEA afirma que sanções da ONU contra o Irã não levam a nada

BERLIM. O Brasil absteve-se na votação da resolução contra o Irã porque julga que é "melhor o diálogo do que a confrontação", disse o embaixador José Vallim Guerreiro, da missão brasileira junto à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Em entrevista ao GLOBO, Guerreiro, de 56 anos, que representa o Brasil na agência de Viena desde o fim de 2006, disse que não acredita que o Irã esteja se preparando para a produção da bomba atômica. Para ele, o grande problema é a desconfiança mútua.

Graça Magalhães-Ruether

Até a China votou a favor da resolução contra o Irã. Por que o Brasil se absteve?

JOSÉ VALLIM GUERREIRO: A China é país membro do Conselho de Segurança da ONU e está envolvida no grupo de negociação, formado pelos cinco países do Conselho de Segurança da ONU e mais a Alemanha. Quando a proposta de resolução foi apresentada, o foi em nome desses países. O Brasil se absteve pelas razões que apontei no debate e que se confirmaram. As discussões são difíceis, complicadas. Há o aspecto do reator que produz isótopos para fins médicos, para o qual o Irã tenta obter combustível. O combustível que eles têm lá vai acabar no ano que vem. Na minha opinião, qualquer decisão que possa impedir que se chegue a uma solução aceitável para todas as partes deveria ser evitada. Nós optamos pela abstenção com o objetivo de manter os canais abertos.

Na sua opinião, o Irã vai mesmo cumprir a ameaça feita ontem de suspender as negociações?

GUERREIRO: Eu acho que eles não vão deixar passar isso em branco. O passado mostra que eles costumaram reagir. Quando o Conselho de Segurança adotou as primeiras sanções (em 2006), o Irã adotou também medidas, interrompendo o processo de cooperação. A História mostra que esse tipo de atitude é contraproducente. A verdade é que ninguém, nenhum país, faz concessão sob pressão. Eu não sei como eles vão reagir.

Com a resolução da AIEA, o Conselho de Segurança da ONU vai aprovar novas sanções contra o Irã?

GUERREIRO: A resolução abre o caminho para sanções, mas a decisão será tomada pelo próprio Conselho de Segurança. O Brasil estará no Conselho a partir de janeiro do ano que vem. Nós vamos aproveitar essa chance para ajudar nas negociações porque, como já disse, sanções não ajudam em nada.

Há quase quatro anos, a AIEA aprovou uma resolução semelhante contra o Irã. Na sua opinião, a medida trouxe algum efeito positivo no sentido de dar mais transparência ao programa atômico?

GUERREIRO: Em 2006, a AIEA resolveu mandar a questão para o Conselho de Segurança. Havia uma violação do acordo de salvaguardas porque o Irã não havia informado à agência sobre a fábrica de enriquecimento de urânio de Natanz. Na minha opinião, as sanções não ajudaram. Há três anos, a capacidade iraniana de enriquecimento de urânio era muito menor do que a de hoje. Uma decisão agora por novas sanções iria apenas endurecer ainda mais a posição iraniana.

ElBaradei tentou evitar novas sanções contra o Irã. De acordo com as suas conversas com o embaixador iraniano Asghar Soltanieh, por que o país não aceitou a proposta (de enriquecimento de urânio no exterior sob a fiscalização da AIEA)? Só para não ceder, ou porque tem mesmo algo para esconder?

GUERREIRO: A negociação é bastante complexa. Eles não rejeitaram a proposta. O assunto continua sendo discutido. Claro que a resolução de hoje complica ainda mais. Acho porém que, enquanto a porta não está inteiramente fechada, é ainda possível um consenso.

Analistas afirmam que o Irã hesita porque tem medo de não receber de volta o seu urânio e também porque não estaria satisfeito com o grau de enriquecimento proposto, já que quer um grau mais alto.

GUERREIRO: Para o reator que eles têm, precisam de urânio com um grau de enriquecimento mais alto. Trata-se de uma questão técnica. Agora, a questão da desconfiança, o receio de não receber o urânio de volta é um problema. Há um clima de desconfiança. O problema do Irã é uma desconfiança mútua que já dura bastante tempo. Precisamos encontrar formas de garantia, de acabar com essa desconfiança.

O senhor também suspeita de que o Irã trabalha em um programa secreto para a bomba atômica?

GUERREIRO: Não temos nenhuma evidência sobre um plano secreto para fazer a bomba. ElBaradei acha que o Irã deveria ter informado à agência da existência da sua fábrica de enriquecimento perto da cidade de Qom há mais tempo. O país foi criticado por isso, mas não significa que esteja a caminho de produzir a bomba.

A politica para com o Irã permanece a mesma com a mudança de chefia na AIEA?

GUERREIRO: ElBaradei trabalhou muito nos últimos anos para tornar possível a negociação com o Irã. Eu acho que o seu sucessor, Yukiya Amano, deverá lutar pelo mesmo.