Título: Ameaça do atraso
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Fonte: O Globo, 30/11/2009, Opinião, p. 6

O jornalismo é, por princípio, um ofício multidisciplinar. Por isso, não faz sentido confinar o exercício da atividade a um grupo, em detrimento de uma abrangência mais ampla de profissionais, especialistas de outras áreas, como engenheiros, médicos, advogados, psicólogos etc.

A exigência do diploma para o exercício da profissão, que o Supremo Tribunal Federal, em boa hora, considerou inconstitucional, funcionava como uma espécie de reserva de mercado autárquica, que contradizia o caráter multidisciplinar da atividade. À parte a incômoda - e nem sempre lembrada nas discussões sobre a obrigatoriedade de o jornalista ser formado em curso específico da área de comunicação - singularidade de a profissão ter sido regulamentada pelo regime militar que em 68 consolidou o autoritarismo do golpe de 64, o pressuposto do diploma não se tornou um meio de melhorar o nível do jornalismo praticado no país. Antes, estreitou-o pelo espírito corporativista implícito em tal pré-requisito.

A decisão do STF não tira dos cursos de comunicação o papel de principais provedores de mão de obra qualificada para as redações. Mas, tendo acabado este cartório, as faculdades ficam salutarmente obrigadas a se aperfeiçoar para destinar a um mercado competitivo profissionais cada vez mais bem preparados.

Os veículos de imprensa continuarão interessados em contratar profissionais egressos das melhores escolas de jornalismo - tendência que não se alterou com a decisão do STF. Por estes fatores, é incabível que, tendo a Corte já se pronunciado, se tente ressuscitar no Congresso, por meio de um projeto de emenda à Constituição, dispositivo nocivo à excelência no exercício da profissão. A proposta está para ir a plenário. Cabe aos parlamentares decidir se querem ou não dar provimento a uma iniciativa que, além de ser inconstitucional diante de matéria já julgada no STF, reviverá uma legislação em cujo DNA se identificam o atraso, o autoritarismo e o corporativismo.