Título: Resgate à luz do dia
Autor: Santiago, Anna Luiza; Araújo, Vera
Fonte: O Globo, 30/11/2009, Rio, p. 8
Vestidos como policiais, traficantes ajudam 30 comparsas a fugir da Polinter do Grajaú
OS CINCO detentos recapturados são levados à 18ª DP para prestar depoimento; para o delegado Orlando Zaccone, o episódio mostrou que o sistema tem falhas
O ALICATE usado nos arrombamentos
Vestidos como policiais civis e armados com fuzis, seis homens renderam dois agentes plantonistas da Polinter do Grajaú, na Zona Norte, e libertaram 30 presos, por volta das 10h de ontem. O grupo simulou uma prisão para conseguir entrar na unidade, onde cinco celas foram arrombadas. Cinco detentos foram recapturados pouco depois da ação. Segundo a polícia, é provável que o alvo do resgate fosse um integrante da facção criminosa do traficante Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, do Complexo do Alemão, maioria na prisão.
A invasão durou cerca de 20 minutos. Os falsos policiais chegaram à unidade com um homem algemado e com a suposta documentação necessária para dar entrada na prisão. Eles renderam os dois plantonistas responsáveis pelo controle dos 150 detentos encarcerados no local e começaram a arrombar as celas usando um grande alicate. Depois de libertar os presos, fugiram em dois carros: um Astra prata e um Corolla preto. A polícia acredita que havia mais dois homens do lado de fora da Polinter, dando cobertura ao grupo dentro dos veículos. Os bandidos levaram a pistola de um policial. Os agentes não foram agredidos.
Para o delegado Orlando Zaccone, responsável pelo controle de presos da Polinter, o episódio evidenciou as fragilidades do sistema de funcionamento da carceragem. Segundo ele, o local reservado aos plantonistas dentro da unidade, por exemplo, impede a visão dos carros que chegam ao pátio.
¿ Receber o preso dessa forma nos coloca expostos, vulneráveis. Vamos ter que adotar outros padrões. A gente só vai ao médico quando sente a dor ¿ disse.
Fugitivos: rivais de facção dos Macacos
A maioria dos foragidos pertence às comunidades da Mangueira e do Jacaré. Coincidência ou não, eles são da mesma facção dos traficantes que tentaram invadir, no mês passado, o Morro dos Macacos, em Vila Isabel, que fica nos fundos da Polinter do Grajaú. No episódio que ficou conhecido como ¿Dia de Cão¿, um helicóptero da PM foi abatido por traficantes, causando a morte de três policiais. Oito ônibus foram incendiados na Zona Norte, inclusive no Jacaré.
Segundo Zaccone, os mentores do plano tinham muitas informações sobre o funcionamento da unidade e conseguiram fazer ¿todo um jogo de cena¿ para enganar os policiais. Além de os bandidos usarem camisas da Polícia Civil na cor cinza, calças pretas e coturnos, o homem que fingia ser detento estava algemado, vestia uma bermuda e estava descalço.
¿ Fugas acontecem em sistemas com muito mais segurança do que o nosso. Podemos passar a adotar códigos para entrar em contato com delegacias antes de receber presos e evitar que isso volte a acontecer.
Um dos detentos foi recapturado em um ônibus na Rua Visconde de Santa Isabel. Outros dois foram novamente presos enquanto passavam pela Rua Teodoro da Silva, em Vila Isabel. Dois homens desistiram da fuga na porta da prisão. Os cinco presos, além dos plantonistas, foram levados para a 18ª DP (Praça da Bandeira), onde prestaram depoimento. A investigação do caso ficará a cargo da 20ª DP (Vila Isabel), mas a corregedoria vai apurar o possível envolvimento de policiais na fuga.
Para a socióloga Julita Lemgruber, diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes e ex-diretora do Departamento do Sistema Penitenciário (Desipe), o resgate na Polinter comprova que é inadequado manter presos sob a guarda da Polícia Civil. Segundo ela, as carceragens passaram a concentrar um grande número de presos, em condições precárias, ficando assim vulneráveis a ações de resgate e possíveis rebeliões. Julita acredita que é preciso investir na construção de casas de custódia para retirar os presos das unidades da Polícia Civil.