Título: Dando a volta por cima
Autor: Batista, Henrique Gomes; Ribeiro, Fabiana
Fonte: O Globo, 29/11/2009, Economia, p. 33

Economia do país reage e aquecimento já atinge níveis pré-crise em vários setores

Henrique Gomes Batista, Fabiana Ribeiro e Bruno Rosa

Se a recessão no Brasil foi estancada no segundo trimestre de 2009, agora a herança da crise está ficando para trás. Graças principalmente ao consumo interno, a economia está aquecida e vários dos seus principais indicadores já superam os números de setembro de 2008, quando o agravamento da crise mundial atingiu o país em um bom momento ¿ no ano passado, o crescimento foi de 5,1%, mesmo com a freada do último trimestre.

Verdadeiro termômetro da atividade econômica, a produção de papelão bateu recorde em outubro. O comércio se expande de forma consistente. Crédito, emprego, serviços e renda avançam. Alguns segmentos industriais ainda não acompanham este ritmo, mas economistas dizem que isso ocorrerá em breve. E alertam que a força da recuperação poderá antecipar, já para o próximo ano, a necessidade de conter a alta de preços resultante de um eventual superaquecimento.

A produção de papelão, usado em muitas embalagens, está há três meses apresentando índices superiores aos dos mesmos meses de 2008. Em outubro, foram 208.164 toneladas, 7,52% mais que no mesmo mês do ano passado ¿ recorde histórico. O consumo de energia residencial em setembro foi 7,6% superior ao mesmo mês de 2008. O consumo de energia pela indústria ainda apresenta quedas, porém cada vez menores. E mais: o emplacamento de veículos subiu 14,9%.

O crédito, por sua vez, registra uma expansão de dois dígitos (15,2%) em apenas um ano, enquanto as vendas nos supermercados do país acumulam alta de 5,57% nos dez primeiros meses de 2009. E o número de brasileiros em voos domésticos também está batendo recorde. Até a inadimplência, que havia atingido seu pico em agosto, começa a voltar aos trilhos.

Comércio é motor da retomada

O varejo está na ponta desta recuperação. Nas contas da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), as vendas dos shoppings em setembro foram 9% superiores às de igual mês de 2008. Para 2009, as projeções apontam para alta de 8%. Desempenho excelente considerando a crise, acredita Luiz Fernando Veiga, presidente da Abrasce.

¿- De assustado, o consumidor passou a otimista. Será o melhor Natal em cinco anos. Estamos prevendo alta de, ao menos, 11% nas vendas ¿ disse, acrescentando que o próximo ano será ainda melhor. ¿ Com Copa e eleições, as vendas devem subir.

Pesquisa da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) indica que 65% das empresas aumentaram os pedidos, 33% mantiveram as encomendas no mesmo patamar e apenas 3% reduziram as compras. E o setor está otimista com o Natal: espera vendas 7,9% maiores que em 2008.

Outro indicativo prévio de atividade, o número de veículos pelas estradas com pedágios está crescendo. Mas o número de caminhões que passam por estas rodovias ainda está abaixo do registrado em outubro de 2008: 133,60 pontos, contra 135,75 pontos, no índice da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR). Mas está se recuperando.

¿ Há uma forte recuperação e o Rio, em outubro, foi o primeiro estado a zerar as perdas de movimento de caminhões. Sabemos que a indústria carioca, mais extrativa, sofreu menos que a paulista ¿ disse Bernardo Wjunisk, da consultoria Tendências e responsável pelo levantamento da ABCR.

O setor que está mais longe em zerar as perdas da crise é a indústria. Apesar de estar em recuperação, 22 dos 27 categorias acompanhadas pelo IBGE ainda estão com produção abaixo dos níveis de setembro de 2008. Mas cinco segmentos ¿ ligados ao mercado interno, como perfumaria, outros produtos químicos (como tintas e fertilizantes), bebidas, celulose e papel e produtos industriais diversos ¿ estão em patamares superiores.

¿ A recuperação começou pelos setores que dependem mais do mercado interno, que sofreram menos ¿ disse Isabella Nunes Pereira, do IBGE.

Rogério Sobreira, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), diz que a recuperação industrial será lenta em alguns setores, mas outros deverão ter melhora em breve. Ele afirma que a depressão afeta todos por igual, mas a recuperação é heterogênea. E alerta que o governo está acelerando demais a economia, o que pode trazer problemas a médio prazo.

¿ O desafio é calibrar as medidas. Não temos estrutura para crescer 9% ao ano. Parte dos incentivos deve acabar no começo de 2010 ¿ disse, temendo que a proximidade com as eleições pressionem pela continuidade dos estímulos ¿ Mas os políticos sabem que muita bondade pode gerar inflação, e não há nada mais pavoroso para o eleitor que a alta de preços.

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, prevê que o Natal deste ano baterá recordes, mas que o fluxo de vendas de doze meses só será superior ao registrado em setembro de 2008 em meados do próximo ano. Mesmo assim, vê riscos com o excesso de incentivos econômicos:

¿ Não há problemas a curto prazo, mas uma expansão muito forte pode trazer para 2010 o temor da inflação, previsto apenas em 2011 ¿ disse, afirmando que o governo errou em dar muitos benefícios fiscais, em vez de usar mais a taxa de juros.

Mas os empresários estão animados. Os fabricantes de material de construção não vão chorar a queda de 8% no faturamento do setor em 2009. Eles já dão como certo zerar as perdas em fevereiro e esperam fechar 2010 com crescimento entre 14% e 16%:

¿ As contratações do Minha Casa, Minha Vida só virarão em 2010, ano que teremos um crescimento maior que em 2007 ¿ afirmou Melvyn Fox, presidente da Abramat, associação do setor.