Título: Oferta de energia não acompanhará projeção para PIB feita por Mantega
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 29/11/2009, Economia, p. 34

Geração precisaria aumentar 63,5% até 2016, mas deve ficar só em 35%

BRASÍLIA. A energia elétrica, que com o blecaute de novembro mostrou-se um produto em falta, pode se transformar no vilão do crescimento econômico dos próximos anos. No dia 17 de novembro, em uma palestra para industriais, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, previu que o Brasil crescerá 52,9% de 2010 a 2016. Para iluminar esse salto do PIB, o país teria que gerar 63,5% a mais de energia nesse período. Segundo analistas, para cada 1% de crescimento da economia, a oferta de energia precisa crescer 1,2%.

Mas as previsões oficiais de aumento de geração estão bem abaixo desse montante. Para cobrir a diferença, a conta de luz ficará mais cara no país.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) avalia, no seu Banco de Informações de Geração (BIG), que a expansão da geração de energia será de 35% nos próximos anos. Serão incorporados mais 37,8 mil megawatts (MW) ao atual parque gerador brasileiro, que soma 108,5 mil MW. Mais abrangente, o plano decenal de energia 2008-2017 prevê que o país irá gerar 38% mais energia entre 2009 e 2016, ou seja, entrarão 40,9 mil MW no sistema.

Abrace: `Situação está entre preocupante e alarmante¿ A falta de 30,4 mil MW (se for levado em conta o balanço da Aneel) ou de 28 mil MW (no caso do plano decenal) não significa que o país ficará às escuras. Os especialistas lembram que há tempo suficiente para planejar e construir novas usinas térmicas ¿ que levam três anos para ficarem prontas ¿ ou mesmo hidrelétricas ¿ cujo prazo de construção chega a cinco anos.

Mas o consenso é que, de qualquer forma, a energia irá pesar mais no bolso dos brasileiros, principalmente dos empresários, o que deve tornar a economia menos competitiva.

Dados da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace), que reúne 55 grupos econômicos nacionais, mostram que a geração de usinas a óleo combustível é 229% mais cara que a hídrica, enquanto a gerada por gás natural pesa 50% mais.

A consultoria de energia PSR estima que a tarifa média de energia dará um salto de 22% de 2009 a 2015, principalmente devido ao fato de que 62% do crescimento da energia elétrica no Brasil previsto até 2013 serão com usinas térmicas.

Sem contar as pressões dos órgãos ambientais.

Como as empresas trabalham com horizontes de médio e longo prazos para seus investimentos, a indefinição ante o abastecimento de energia num horizonte superior a cinco anos ligou o alerta. O presidente da Abrace, Ricardo Lima, lembra ainda que já há falta de oferta de energia nova e barata de 2012 em diante.

¿ A situação está entre preocupante e alarmante, e várias empresas não estão conseguindo financiamento de novos projetos de expansões por falta de garantia de fornecimento elétrico. Algumas procuram investimentos fora do país ¿ disse Lima, citando os setores siderúrgico, de ferroliga e de cloro. ¿ As metas de crescimento do ministro da Fazenda podem não se concretizar por falta de competitividade das empresas brasileiras nos próximos anos.

Mantega projetou que o Brasil pode crescer entre 6% e 6,5% ao ano de 2010 a 2016, começando com 10% anualizados no terceiro trimestre e fechando em 5% ano que vem.

As projeções oficiais do setor de energia são mais modestas e têm como base estimativa de crescimento médio de 4,9% ao ano até 2017.

Mesmo a construção de novas mega-hidrelétricas, como Jirau, Santo Antônio e Belo Monte, não deve ser suficiente para atender a toda a demanda projetada até 2016. A construção de novas usinas também esbarra em pendências ambientais. Belo Monte está com o cronograma atrasado e dificilmente conseguirá entrar em operação antes de 2015. E a geração prevista de 11 mil MW não será imediata.

Folga de energia no sistema pode ser menor que a prevista Marcio Prado, analista do setor elétrico do Banco Santander, faz outro alerta. Até 2013, as projeções oficiais mostram que haveria uma folga de 4,5 mil MW de energia no sistema.

Mas o Operador Nacional do Sistema (ONS), órgão que coordena o abastecimento brasileiro, prevê a possibilidade de que 50% das térmicas contratadas para abastecer o Nordeste no período podem não vingar. Aí, a folga cai para 2,1 mil MW. E essas projeções foram feitas para um crescimento médio de 4%.

¿ Ainda há folga e, por ser de térmicas, ela é mais cara.

Mas o cenário real pode não ser tão bom assim., porque as térmicas contratadas podem não ser comercializadas ¿ adverte Prado.

A energia mais cara é um dos principais gargalos que o próximo governo precisará enfrentar.

A política de modicidade tarifária (opção pela tarifa mais barata) implementada pelo novo modelo do setor elétrico, idealizado pela então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, pode ser colocada em xeque: ¿ O país tem uma economia eletrointensiva, que demanda muita energia para gerar riqueza.

A energia mais cara é uma realidade para a qual temos que nos preparar ¿ ressalta Mário Menel, presidente da Associação Brasileira dos Autoprodutores de Energia (Abiape).

¿ As empresas brasileiras terão de ter na ponta do lápis o seu custo de energia e procurar ser cada vez mais eficientes nesse setor ¿ diz o diretor-executivo da consultoria Andrade & Canellas, Silvio Areco.