Título: As três frentes de ofensiva dos Kirchner
Autor:
Fonte: O Globo, 29/11/2009, O Mundo, p. 43

Do La Nación

BUENOS AIRES. Durante os últimos meses, o governo argentino construiu uma estratégia de ataques contra a liberdade de expressão em torno de três eixos centrais: a nova lei de meios audiovisuais; a crescente pressão sobre Papel Prensa (a empresa que fornece insumo básico a mais de 170 jornais); e o recrudescimento de um conflito sindical que dificulta a distribuição dos matutinos. A intromissão do governo na mídia não é novidade, mas sua crescente virulência, sim.

Clarín é o grupo mais afetado pela nova lei As más relações começaram em 2003, quando Néstor Kirchner assumiu a Presidência: tornaram-se cada vez mais frequentes as críticas à imprensa, a utilização da publicidade oficial como prêmio ou castigo ¿ irregularidade condenada pela Corte Suprema em 2007 ¿ e as entrevistas coletivas sem permissão para perguntas, uma proibição que, felizmente, se relaxou.

Desde então, restrições diretas e indiretas se multiplicaram.

Tornou-se impossível sancionar a lei de acesso à informação devido a obstáculos do governo. A Afip (a Receita Federal argentina) exerce pressão sobre os jornais e, em setembro, cem inspetores fizeram uma ação intimidatória na sede do ¿Clarín¿. Mesmo assim, o Congresso demora em cumprir a determinação da Corte Interamericana que ordenou a modificação nas figuras penais de calúnia e injúria.

Essas situações confluem para um contexto desalentador para a liberdade d e i m p re n s a . A s ações empregadas este ano trazem perigos muito mais graves, próprios de épocas autoritárias.

Embora não afete os jornais, a nova lei de meios audiovisuais debilita o sistema multimídia. No país, operam oito grandes grupos de comunicação, além de outros menores. Com a desculpa de obter maior pluralismo, o governo conseguiu sancionar uma lei que é uma poderosa ferramenta para cercear a liberdade de expressão.

A Lei 26.522 corta a possibilidade de os grupos acumularem licenças, numa reforma que afeta principalmente o Clarín; proíbe um canal aberto de possuir um sistema a cabo; e proíbe que um canal a cabo transmita mais de um sinal de notícias.

A nova lei obriga os grupos a vender os meios que possuírem em excesso em um ano, o que colocará em risco o preço de mercado dessas empresas. E, enquanto obriga a mídia a ter como objetivo exclusivo a prestação de serviços audiovisuais, autoriza empresas de serviço público a entrarem no setor.

A lei coroa o sistema com dois órgãos: a Autoridade de Aplicação, com a tarefa de fiscalização e controle; e um Conselho Federal. Ambos não só são integrados por políticos, mas estão nas mãos de gente do governo.

A partir de agosto, o governo buscou ampliar seu embate, incluindo ataques à empresa que elabora o papel jornal ¿ propriedade dos diários ¿Clarín¿, ¿La Nación¿ e do próprio Estado.

Primeiro vieram ameaças, inclusive de agressões físicas, feitas durante uma reunião reservada, protagonizada por um poderoso funcionário kirchnerista, da Secretaria de Comércio Interior.

Logo, o Estado substituiu seus diretores na Papel Prensa por outros mais fiéis e, ao mesmo tempo, começou a discutir a possibilidade de expropriar ou intervir na empresa. Finalmente, no começo do mês, o Estado alterou a Composição Nacional de Valores, o órgão que fiscaliza as empresas que atuam na bolsa, entre elas, Papel Prensa.

Governo quer restabelecer monopólio de jornaleiros Em outra frente, vieram obstáculos para distribuir os jornais.

O Grêmio dos Caminhoneiros ¿ relacionado ao poderoso chefe da Confederação Geral do Trabalho (CGT), Hugo Moyano, que por sua vez é ligado ao governo ¿ sob a desculpa de pressionar pelas condições de trabalho dos motoristas, bloqueou os pontos de distribuição de ¿La Nación¿, ¿Clarín¿ e da revista ¿Noticias¿. E, pouco depois, um decreto presidencial deu os primeiros passos para restabelecer o monopólio dos jornaleiros, em detrimento do regime mais amplo de distribuição que funciona atualmente.