Título: Tupamaros longe das armas e perto do poder
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 29/11/2009, O Mundo, p. 42

Para os uruguaios, dúvida não é quem vencerá eleição presidencial hoje, mas como ex-guerrilheiro José Mujica governará

Enviada especial

MONTEVIDÉU. O Movimento de Libertação Nacional Tupamaros não nasceu com o objetivo de governar o Uruguai. Sua meta, disse ao GLOBO o senador eleito Eleuterio Fernández Huidobro, fundador e um dos principais líderes da guerrilha uruguaia nas décadas de 60 e 70, era ¿ajudar grupos que na época estavam sendo atacados por gangues fascistas protegidas pelo governo (democrático), sobretudo sindicatos e movimentos estudantis¿.

Aos 67 anos, Huidobro, autor de vários livros sobre a história tupamara, assegurou que ¿quando o movimento foi criado era impensável que um de nossos membros chegasse à Presidência¿.

Huidobro nunca imaginou que seu companheiro de luta guerrilheira José ¿Pepe¿ Mujica seria candidato da esquerdista Frente Ampla e grande favorito numa eleição presidencial.

O dia menos imaginado pelos tupamaros chegou. Hoje, 2,5 milhões de eleitores uruguaios irão às urnas e todas as pesquisas indicam que Mujica será eleito o sucessor de Tabaré Vázquez, o primeiro chefe de Estado de esquerda do país. Segundo analistas locais, o ex-guerrilheiro tupamaro alcançaria cerca de 50% dos votos e seu adversário, o expresidente Luis Alberto Lacalle (do Partido Blanco), até 45%.

Cobrança de sindicatos pode atrapalhar futuro governo A grande incógnita entre os uruguaios é saber como será Mujica como presidente. Um homem que passou quase 14 anos na prisão na última ditadura (1973-1985), foi torturado e ainda hoje justifica a violência armada de décadas passadas. Para seus companheiros de guerrilha, poucas coisas mudaram desde então. Os pensamentos fundamentais, assegurou Huidobro, continuam os mesmos.

¿ Ficou tudo igual, menos as armas ¿ disse o senador eleito, que há dois anos fundou a Corrente de Ação e Pensamento, integrante da esquerdista Frente Ampla.

De acordo com Huidobro, os tupamaros continuam buscando ¿um país com menos pobreza e mais igualdade social¿.

¿ Somos realistas e sabemos que as revoluções devem ser feitas com os pés no chão. Queremos que nosso país tenha uma burguesia que ganhe muito dinheiro e que participe de nosso projeto nacional ¿ afirmou.

Para Huidobro, ¿o socialismo de (Hugo) Chávez não é o que buscamos. Porque é um socialismo que só cria burocracia¿.

¿ Não acreditamos que o socialismo possa ser construído em base a uma sociedade com tanta pobreza ¿ argumentou o ex-guerrilheiro.

Mas os esclarecimentos de Huidobro e do próprio Mujica não são suficientes para satisfazer as dúvidas de muitos. Para o escritor Antonio Mercado, autor do primeiro livro sobre os tupamaros, na década de 60, ¿Mujica é uma pessoa muito contraditória, ninguém sabe muito bem o que esperar de seu governo¿. Segundo ele, um dos grandes problemas que deverá enfrentar é o crescente poder dos sindicatos.

¿ Mujica fechou acordos com os comunistas, que no Uruguai controlam os sindicatos.

Quando chegar ao poder, deverá atender suas demandas, mas também as dos empresários ¿ explicou Mercado, para quem os sindicatos não querem saber de reforma do Estado, uma das principais questões pendentes.

¿ Nosso medo é que Mujica acabe refém dos sindicalistas.

Os tupamaros, lembrou Mercado, foram uma guerrilha urbana, formada por filhos da classe média, inspirada na Revolução Cubana e em outros movimentos latino-americanos. Para o escritor Adolfo Garcés, autor de ¿Onde houve fogo. O processo de adaptação do MNL-Tupamaros à legalidade e à concorrência eleitoral¿, ¿a guerrilha uruguaia era essencialmente um movimento político, com armas¿.

¿ Os tupamaros sempre foram políticos e Mujica é um político profissional ¿ disse.

Para Garcés, ¿o movimento sempre teve ambição de poder, sempre quis fazer coisas, deixar sua marca registrada¿.

¿ São impacientes, mas perseverantes.

Românticos, mas profundamente pragmáticos ¿ analisou o escritor, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade da República.

¿ Mujica significará continuidade em economia e algumas dúvidas em política.

¿ Mujica será mais aberto, buscará dialogar com todos os setores e deverá encontrar muitos consensos, já que negociou acordos com os comunistas, com Vázquez e os setores mais moderados da Frente Ampla