Título: Berlusconi, o novo Príncipe da Itália
Autor: Araújo, Vera Gonçalves de
Fonte: O Globo, 29/11/2009, O Mundo, p. 41

Rico e poderoso, premier se mantém popular apesar de crise, escândalos sexuais e atitudes autoritárias

A CAPA DA ¿STERN¿ alemã (alto à esquerda): ¿Poder e Amore, como Berlusconi governa o nosso país preferido para férias". Ao lado, o premier junto a sorridentes soldados da guarda de honra: muitos italianos se identificam com o estilo de Berlusconi e justificam seu comportamento polêmico

A CAPA da ¿Rolling Stone¿: rockstar

PROTESTO contra a retirada de crucifixos das escolas; mulheres nuas na mansão de Berlusconi: ambiguidade

Aedição italiana da revista ¿Rolling Stone¿ elegeu o chefe do governo, Silvio Berlusconi, rockstar do ano, ou seja, o personagem que se distinguiu durante o ano que está terminando por seu caráter e temperamento decididamente roqueiro. Enquanto os italianos celebram mais um título que se acrescenta ao currículo de seu primeiro-ministro ¿ bilionário, rei das TVs comerciais, dono de um império editorial europeu, magnata das construções de luxo, cartola do time do Milan ¿ a mídia internacional continua tentando explicar o fenômeno da popularidade do Cavaliere. Com todas as suas brigas internas, a coalizão de direita de Berlusconi ainda é a preferida por 47% do eleitorado, segundo uma pesquisa recente, contra apenas 36% das preferências pela também dividida esquerda.

Vista nas ruas, a católica Itália não parece escandalizada com as atitudes, as palavras, a vida privada de Berlusconi. Apesar de todos os escândalos sexuais em que foi envolvido ¿ que resultaram no divórcio pedido por sua mulher, Veronica Lario ¿ a opinião pública e os eleitores italianos continuam premiando o líder da direita. Até no caso do divórcio, detonado depois da revelação de que o chefe do governo recebia menores de idade na sua mansão na Sardenha e garotas de programa nas festinhas no seu palacete romano, 40% dos italianos acham que Berlusconi é uma vítima da imprensa e das mulheres. E apesar da crise econômica que vem provocando um aumento assustador do desemprego e uma queda vertical do poder aquisitivo, e do perigoso crescimento do neofascismo e da fama de pouco apego à democracia, os italianos de alguma forma justificam as estranhezas de seu primeiro-ministro.

¿ Ele é rico, poderoso e tem sorte ¿ resume o açougueiro romano Lucio Guerritore.

No país de Maquiavel, Berlusconi parece encarnar uma nova edição do Príncipe, graças à verdadeira corte de admiradores que formam o seu time de colaboradores mais próximos. Cortesãos e prostitutas, segundo a tradição de políticos da Renascença e de imperadores romanos. Segundo a revista americana ¿Newsweek¿, ¿Silvio Berlusconi tem todo o direito de entrar num panteão italiano muito preciso: Nero, os Borja, panem et circenses, libertinagem e corrupção¿, escreve Christopher Dickey numa longa reportagem dedicada ao chefe do governo italiano.

Como todos os seus opositores, também os correspondentes estrangeiros fazem parte daquele ¿bando de comunistas¿ com que Berlusconi define seus inimigos. Um bando cada vez maior, de que fazem parte, além de ¿Newsweek¿, os franceses do ¿Le Monde¿, os ingleses do ¿Guardian¿, os espanhóis do ¿El País¿, os subversivos do ¿Financial Times¿ e até os esquerdistas improváveis do ¿The Wall Street Journal¿.

Para o italiano médio, a hostilidade da imprensa internacional é uma demonstração da perseguição contra o seu líder, com quem muitos se identificam. Neste país com 60 milhões de habitantes, só 4 milhões se informam através dos jornais, da internet, da leitura de livros e da frequência de exposições. ¿O resto vive de TV¿, explica Curzio Maltese, editorialista do diário ¿La Repubblica¿, autor do livro ¿A bolha¿, sobre a Itália de Berlusconi.

¿ A bolha é uma espécie de feitiço em que a Itália vive há 15 anos. Uma condição criada por Berlusconi que dividiu o país em duas categorias: quem vive dentro da bolha se sente leve, protegido, num mundo em que desapareceram as coisas complexas e chatas; e quem fica olhando do lado de fora e se preocupa e protesta ¿ teoriza Maltese.

Mas Berlusconi ¿rockstar¿ parece impermeável aos conselhos de críticos, marqueteiros e colaboradores sensatos. Na montagem de seu novo Gabinete, em meados de 2008, Berlusconi não se preocupou em disfarçar a fama de mulherengo e escolheu quatro titulares com rosto de miss ¿ uma já fora modelo ¿ no que foi considerada uma atitude machista por muitos. Visitando o Turcomenistão na semana passada, o Cavaliere propôs ao presidente uma troca: o seu ministro da Cultura, o feio e careca Sandro Bondi, pela linda morena titular local da mesma pasta, Maysa Yazmuhammedova. O presidente turcomeno riu, mas se absteve de responder.