Título: Amorim: Brasil não reconhecerá o eleito
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 27/11/2009, O Mundo, p. 32

MANAUS. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, afirmaram ontem que o governo brasileiro não reconhecerá o presidente que será eleito nas eleições de domingo em Honduras. Garcia chegou a fazer previsões pessimistas sobre o futuro caso o processo eleitoral em Honduras seja levado adiante como se Zelaya não tivesse sido vítima de um golpe.

Para ele, isso poderia estimular a derrubada de outros governos e aumentar a instabilidade na região. O assessor acha que a comunidade internacional, principalmente os EUA, tem que estar ciente disso antes de qualquer decisão em relação ao pleito de domingo.

- Vamos ter um período de grande instabilidade política em Honduras. O golpe produziu outro efeito. Pode animar outros golpistas na região - disse Marco Aurélio Garcia.

Para Amorim e Marco Aurélio, as eleições com o presidente deposto Manuel Zelaya fora do governo não podem legitimar o golpe chefiado pelo presidente interino Roberto Micheletti. Eles entendem que a substituição de Zelaya nessas condições deve aprofundar a crise em Honduras.

- O governo brasileiro não vai reconhecer (o governo a ser eleito em Honduras). Um golpe de Estado não pode ser legitimado mesmo se seguido de eleições ou de um ato civil. Golpe de Estado não pode ser legitimado como forma de mudança política - afirmou Amorim pouco antes do início da Reunião de Cúpula dos Países Amazônicos e França sobre Mudança do Clima.

O ministro já antecipou a posição do governo brasileiro numa conversa de mais uma hora que teve ontem com a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton. Num diálogo classificado por ele de cordial, Amorim deixou claro que o Brasil não aceitará o resultado das eleições em Honduras.

- Discutimos muito educadamente. Discordamos. Vamos ver como as coisas evoluem - disse Amorim ao mencionar parte da conversa.

Ele reconheceu divergências com os EUA em temas como Honduras e o uso de bases colombianas por tropas americanas. Mas, segundo Amorim, não há crise entre os países:

- O Brasil tem obsessão. Se não concorda com os Estados Unidos é como se um raio fosse cair na nossa cabeça. Não é assim.

Amorim informou que o presidente Lula respondeu ontem à carta recebida do presidente dos EUA, Barack Obama. Segundo ele, Lula discorreu sobre seis assuntos: a crise em Honduras; a Conferência de Copenhague; a visita do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad; a Rodada de Doha; o processo de paz no Oriente Médio; e a presença brasileira no Haiti.

A conversa com Hillary ocorreu antes do envio da carta, numa tentativa de evitar o aprofundamento das divergências entre os dois países. No início da semana, Marco Aurélio Garcia disse que há no governo brasileiro uma certa decepção em relação à política externa americana. Amorim, que também tinha manifestado preocupação com atuação dos EUA, minimizou o peso das críticas.

Para ele, a troca de cartas entre Lula e Obama e a conversa dele com Hillary seriam indicativos do bom nível de diálogo entre os dois países.

- Não vamos fazer disso um ponto de confrontação - disse Amorim.

Marco Aurélio Garcia também baixou o tom das críticas. Segundo ele, desde a chegada de Obama à Casa Branca os EUA vinham mantendo uma relação muito positiva com a América Latina. Mas, com a crise em Honduras, essa aproximação teria sido interrompida. As diferenças estariam, no entanto, sendo contornadas. Para desfazer a má impressão causada por suas declarações sobre a decepção com o governo americano, o assessor do presidente teve uma conversa com o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, James Jones, na quarta-feira.