Título: Simon: Não esperem nada do Congresso
Autor: Autran, Gustavo
Fonte: O Globo, 01/12/2009, O País, p. 8
Senador do PMDB afirma que só a sociedade organizada tem forças e vontade para lutar contra a corrupção
A máxima de que ¿de onde não se espera nada é que não vem nada mesmo¿ foi usada com conotações de humor negro ontem pelo senador Pedro Simon (PMDB-RS), durante um debate sobre corrupção realizado na sede do GLOBO. A frase foi uma das conclusões do senador frente ao cenário cada vez mais assustador de casos de corrução envolvendo parlamentares, governadores e outros políticos de alto escalão, especialmente agravado este fim de semana, após a divulgação de vídeos mostrando o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM), assessores e deputados distritais de Brasília manuseando maços de dinheiro vivo com origens e destinos ainda não explicados.
¿ Temos um Congresso pobre, sem preparo técnico, sem formação, que se beneficia de um modo de governo calcado em interesses de grupos de influência.
Também não percebo nenhum ação concreta no combate à corrupção. Não há interesse. Hoje, o político com problemas judiciais contrata um advogado para emperrar o andamento do processo até o crime prescrever. Se a população brasileira quer mudar a situação que aí está, deve se mobilizar, deve protestar, como já vi fazerem na época dos caras-pintadas, por exemplo.
Mas não esperem nada do Congresso. De onde menos se espera é que não vem nada mesmo ¿ disse o senador.
Na saída do debate, o senador gaúcho também classificou o episódio envolvendo José Roberto Arruda de ¿mensalão do DEM¿: ¿ Vinte quatro horas antes de a denúncia ser divulgada, eu era fã do governador, até então considerado um administrador exemplar. Mas as gravações de vídeo e áudio não deixam dúvidas de que existe um mensalão do DEM, que opera mais ou menos no mesmo estilo do que foi denunciado no episódio envolvendo o PT em 2005 ¿ afirmou Simon, completando em tom de desânimo: ¿ É triste constatar que as denúncias que derrubaram o Fernando Collor hoje parecem brincadeira de criança frente ao que estamos vendo. Em vez de melhorar, as coisas andaram para trás.
Fórum sobre mazelas do país
O seminário do qual o senador participou é um desdobramento da campanha ¿Nós e Você. Já São Dois Gritando¿, na qual O GLOBO convida a população para um debate público sobre os maiores problemas do Brasil, por meio de um fórum na internet.
O encontro reuniu cerca de 150 pessoas no auditório do jornal e contou com a presença do diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Claudio Abramo; da coordenadora da ONG Voto Consciente, Rosângela Giembinsky; e da socióloga Maria Apparecida Fenizola, vicepresidente do Instituto do Desenvolvimento de Estudos Políticos e Sociais e líder de um movimento de cidadãos brasileiros contra a corrupção. A mediação do debate foi feita pelo jornalista Merval Pereira, colunista do GLOBO. Os também colunistas Míriam Leitão, Ancelmo Gois e Flávia Oliveira gravaram em vídeo as suas perguntas relacionadas ao tema.
Apesar da repercussão do caso envolvendo o governador do Distrito Federal, o ¿mensalão do DEM¿ não foi a tônica do debate.
Por cerca de uma hora e meia, os convidados debateram diversos aspectos da corrupção que grassa no serviço público e no cenário político brasileiro, especialmente sobre os mecanismos disponíveis para o cidadão comum fiscalizar a atuação dos políticos em seus mandatos.
Apesar de algumas discordâncias a respeito das origens e das formas mais eficientes de combate ao problema, os quatro convidados concordaram que a apatia política, a falta de engajamento e de mobilização social por parte da maioria dos brasileiros também ajudam a aumentar os índices de corrupção registrados no Brasil.
¿ Fica difícil mudar a situação de verdade se o cidadão não mudar a sua postura. Não basta ir a passeatas, tem que fiscalizar o tempo todo. É impor tante que a sociedade acorde e assuma o seu compromisso sobre o que ocorre hoje na administração pública no Brasil. Temos o poder de tirar os parlamentares que aí estão, com o nosso voto. E isso é só uma parcela pequena do que a sociedade organizada pode fazer ¿ defendeu Maria Apparecida Fenizola, arrancando aplausos da plateia.
Maria Apparecida recebeu o apoio da professora Rosângela Giembinsky, da ONG Voto Consciente, na defesa do projeto Ficha Limpa, proposta de iniciativa popular para rejeitar o registro de candidaturas de políticos com processos na Justiça, os chamados fichassujas.
Elas defenderam que, sem mobilização popular, não será possível resolver o problema da corrupção no Brasil, e citaram o abaixo assinado em defesa do projeto, entregue ao presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), como um eficiente mecanismo de pressão.
¿ Foram mais de um milhão de assinaturas recolhidas. E nós temos que continuar insistindo para o projeto ser votado e sair do papel. Sem a nossa cobrança, não haverá milagre ¿ disse a professora.
Corrupção pode ser medida, diz
O diretor da Transparência Brasil procurou mostrar que, mais do que questão de ordem moral, corrupção é um problema concreto. E que pode ser medido.
¿ Quase 40% dos senadores em exercício respondem por crimes na Justiça. E na Assembleia Legislativa de Goiás, nada menos que 75% dos deputados são alvo de alguma denúncia nos tribunais ¿ disse ele, arrancando expressões de espanto na plateia.
¿ A corrupção é uma dimensão da ineficiência do Estado.
Ela não pode ser reduzida a uma questão moral. E, na hora de enfrentá-la, devemos ser objetivos. O fato é que a corrupção anula a possibilidade de o Estado alocar seus recursos com eficiência e, desta forma, ela só será combatida quando mexermos nas leis e combatermos certos vícios da administração pública, ponto a ponto ¿ disse Abramo, ao ressaltar os dados levantados pelo projeto Excelências, que disponibiliza na internet informações detalhadas e atualizadas sobre os gastos de todos os parlamentares em exercício no país.
As questões levantadas pelos colunistas do GLOBO contribuíram para esquentar ainda mais o debate. A jornalista Flávia Oliveira, titular da coluna Negócios e Companhia, questionou as fronteiras existentes entre o que seria o lobby legítimo promovido por empresários, que não constitui crime, e as pressões políticas pela aprovação de emendas em projetos de lei.