Título: Fumaça indiana
Autor: Costa, Florência
Fonte: O Globo, 01/12/2009, Ciência, p. 32

Índia fala pela primeira vez em reduzir as emissões de CO2, mas não diz como

Pressionada, a Índia resolveu amenizar o discurso sobre o clima. Embora seja um dos grandes poluidores do mundo, o país vinha se recusando a aceitar qualquer meta de cortes de CO2 e se limitava a responsabilizar os países ricos pelo aquecimento global. Porém, depois que a China resolveu apresentar um compromisso voluntário de diminuição de CO2 na semana passada, a Índia mudou o tom e chegará a Copenhague com a promessa de reduzir suas emissões de gases do efeito estufa em até 25% em 2020. O governo indiano, no entanto, não diz sobre que patamar será calculada a redução, se sobre emissões de anos passados ou sobre projeções de crescimento. Délhi também deixou claro que será um compromisso voluntário e não uma meta compulsória.

A Índia resolveu recitar um mantra mais ameno para tentar apagar a imagem de intransigente. Os negociadores indianos não deram detalhes da proposta do país na cúpula climática que começa dia 7 na capital dinamarquesa. Mas indicaram que ela envolverá mudanças no consumo doméstico e no aumento da eficiência energética. Hoje, a matriz energética indiana é baseada na queima do carvão. Com um bilhão de habitantes, a Índia dobrou suas emissões na última década.

`Não queremos que o mundo nos culpe amanhã¿, afirma ministro

A Índia também finalmente aceitou que é preciso limitar o aumento da temperatura global em no máximo 2 graus Celsius até 2050. O primeiro-ministro, Mamonhangh Singh, havia dito em uma reunião com diplomatas indianos que o país quer apagar sua imagem negativa no mundo sobre as questões climáticas.

¿ Não queremos ganhar a reputação de emperradores de acordo. Não queremos que o mundo nos culpe amanhã ¿ diz o ministro do Meio Ambiente, Jairam Ramesh.

Muitas das mudanças para cortar gases-estufa, na verdade, vêm do Plano Nacional de Ação da Mudança Climática. Ele inclui um ambicioso projeto de aumentar a capacidade de produção de energia solar em 200 vezes até 2013. E tem uma meta de alcançar 20 gigawatts de energia solar até 2022, a um custo de US$ 19 bilhões.

Até 2012 todos os novos prédios do pais deverão ter equipamentos de energia solar. O plano prevê ainda um aumento da produção de energia renovável. Hoje, somente 7% da energia gerada na Índia vêm de fontes renováveis. Pelo plano, esse percentual passará para 20% até 2030.

¿ O plano nacional indiano é ambicioso. Mas a Índia não deve aceitar nenhuma meta compulsória. Seria injusto esperar isso da Índia sem que outros o façam ¿ afirmou Rajendra Pachauri, o principal cientista indiano de clima e presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU, em entrevista ao jornal ¿Hindustan Times¿.

A decisão do governo enfrenta resistência interna.

¿ Estamos mostrando alguma flexibilidade porque não queremos ficar isolados ¿ explicou-se o ministro do Meio Ambiente em sabatina no parlamento indiano.

Mas, mesmo tendo amenizado seu discurso, a Índia não deverá fazer grandes concessões em Copenhague. Diante das pressões para aceitar metas compulsórias de corte de emissões de gases de efeito estufa, o governo indiano tem uma resposta pronta: a de que é uma tarefa mais urgente, num país com 800 milhões de pessoas sobrevivendo com menos de US$ 2 por dia, prover o acesso a serviços básicos como água potável a reduzir a emissão de carbono.

O governo indiano alega que as emissões da Índia são de ¿sobrevivência¿ ¿ o uso de energia para a produção de comida, por exemplo ¿ e não ¿emissões luxuosas¿, para manter um padrão de vida alto, como acontece nos Estados Unidos. Os indianos alegam que o país tem necessidade de aumentar o consumo de energia per capita para garantir o crescimento inclusivo: hoje, boa parte das metrópoles indianas amarga apagões diários de várias horas e cerca de 400 milhões dos 1 bilhão de habitantes nao têm sequer acesso à eletricidade.