Título: O lugar do Brasil e o silêncio do parlamento
Autor: Saraiva, José Flávio Sombra
Fonte: Correio Braziliense, 28/05/2009, Opinião, p. 29

Ph.D. pela Universidade de Birmingham, Inglaterra, professor titular do Instituto de Relações Internacionais da UnB e pesquisador 1 do CNPq

Colhe o Brasil, após esforço contínuo dilatado no tempo, o que plantou no esforço da construção de sua inserção internacional. Há dois séculos formularam-se os pilares da política externa. Teve o país inteligência de longo prazo e cálculo de oportunidade no mundo difuso da transição da hegemonia britânica para o século americano. Engendrou concepções, conceitos e teoria própria no século 19, de José Bonifácio ao Visconde do Rio Branco. Buscou autonomia decisória no século 20. As elites se interessaram, por meio de calorosos embates parlamentares e discussão de opções externas, pelo destino do Brasil. O país emergiu, de Vargas aos militares, como ator responsável e previsível nas ações externas do Estado.

A mudança de regime político não alterou o pragmatismo externo, mas o aperfeiçoou. Os choques de visões foram expostos na democracia. Setores políticos de diferentes matizes participaram de grandes debates em torno dos modelos de inserção internacional do país, entre o associativismo liberal e o nacional-desenvolvimentista. Coube à política externa de Lula e aos múltiplos atores e protagonistas empresariais, diplomáticos, intelectuais e a sociedade civil, a ampliação do raio de ação dos interesses e valores brasileiros nos últimos anos. O avolumar da capacidade decisória nacional no jogo das grandes potências e na economia política da globalização é fato auspicioso. O Brasil ficou grande demais para o seu meio sul-americano. Migrou de importador de regras para construtor de conceitos na cena internacional. Há crescente confiança no país como interlocutor no xadrez da política internacional.

O Congresso Nacional e nossos representantes, no entanto, silenciam em relação ao novo lugar do Brasil no mundo. A política interna do Brasil move-se entre volubilidade e pequenez, descolada que é do país profundo e dos seus desígnios externos. Os agentes políticos e as lideranças partidárias no parlamento parecem não ter noção do país que representam. Demonstram visão limitada do mundo. Esquecem os parlamentares que eles têm responsabilidade na discussão, proposição e controle da ação externa do Estado.

A introspecção política, a falta de interesse pelos temas internacionais e o limite dos debates parlamentares aos temas imediatos, midiáticos e de pouco valor, exceto para a carreira política e a próxima eleição, queimam energia diante dos grandes desafios internacionais do Brasil. Exportam, os eleitos pelo povo, o grande debate acerca do lugar do Brasil no mundo para setores da burocracia estatal. A democracia fica menor. Vulnerável se faz o país.

Da Argentina, parceira e vizinha privilegiada do processo de integração mais relevante do Brasil com seu meio sul-americano, já aprendemos que sua retração internacional tem origem na política interna pequena. Mesmo em país de gente inteligente e culta, mas tomado pela cizânia de sua elite irreconciliável, lá já não é mais possível uma estratégia externa. A síndrome portenha se traduz na baixa capacidade de construir estratégias de longo prazo em favor do tempo curto dos governantes que se sucedem na Casa Rosada, incapazes de construir uma inteligência política externa consistente no tempo.

Nos Andes há lutas domésticas que impedem inserção internacional com autonomia e responsabilidade global. São Estados em guerras civis informais. As divisões internas tornam impossível a eficácia externa. Tais Estados, vizinhos do Brasil, possuem apenas política interna. A externa é dramatizada pela lógica da vitimização e do antiamericanismo estéril.

A política externa dos Estados é muito importante para se circunscrever à burocracia estatal. O descompasso entre o interno e o externo não é bom para o Brasil. Mesmo no atual momento de ebulição econômica global, existe a hipótese altruísta de sairmos da crise sem os recalques de experiências traumáticas anteriores. Onde estão os debates estratégicos e de alto nível dos representantes do povo acerca dessa relevante hipótese? O silêncio dos congressistas brasileiros é estarrecedor. Dizem que política externa não dá voto. Nada disso é compatível com os antecedentes de um país que soube unir forças em torno de grandes debates nacionais, em torno dos caminhos a tomar no mundo complexo em que vivemos. É hora de pôr o externo no debate interno. Afinal, a política externa também é política pública.