Título: Ambiguidade marca declaração sobre Honduras
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 02/12/2009, O Mundo, p. 33

Comunicado da Cúpula Ibero-Americana prega volta de Zelaya, mas não condena eleição. Lula defende novo pleito

ESTORIL, Portugal. A cúpula Ibero-Americana terminou ontem em Estoril marcada por um racha total entre os países sobre o que fazer daqui para a frente com a crise hondurenha.

Um malabarismo retórico, entretanto, permitiu que a Presidência portuguesa da cúpula conseguisse aprovar, por consenso, um comunicado tão ambíguo que agradou a todos: do Brasil, que é contra o reconhecimento do presidente eleito de Honduras, à Costa Rica, que defende exatamente o oposto.

¿ Não, não, não. Peremptoriamente, não! ¿ reagiu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao ser perguntado se o Brasil reconhecerá Porfirio Lobo.

Mas o Brasil saiu satisfeito com o comunicado, que condena o golpe e diz que a restituição de Manuel Zelaya ¿é um passo fundamental para o retorno à normalidade constitucional¿ ¿ o que permitiu que a própria chanceler do governo deposto, Patricia Rodas, aceitasse-o.

Venezuela critica países que reconheceram pleito A ambiguidade está em, ao mesmo tempo, pregar ¿um diálogo nacional¿ ¿ o que, na interpretação de alguns, abre a porta para negociação com os golpistas ¿ e citar as eleições do dia 29 de novembro sem fazer qualquer juízo: contra ou a favor.

¿ Ambiguidade é uma arma política. E, ao contrário do que alguns pensam, às vezes ajuda ¿ comentou o primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, que, como os espanhóis, defende a porta aberta ao ¿diálogo¿.

Perguntado o que aconteceria se Zelaya voltasse ¿ convocar nova eleição ou não? ¿, o presidente do governo espanhol, José Luis Zapatero, disse: ¿ Não se pode antecipar.

Toda ditadura tem um trânsito para reconstituir a legalidade.

A presidente argentina, Cristina Kirchner, alinhada à posição do Brasil, revelou que ¿muitos países¿ na cúpula defenderam um comunicado que reconhecesse o presidente eleito. Para ela, foi uma vitória impedir isso.

¿ Não dá para ser mais papista do que o Papa ¿ disse.

Lula partiu de manhã, antes do final da cúpula, para Kiev, na Ucrânia. Sua resposta antes da partida se choca com o tom mais ameno do assessor especial, Marco Aurélio Garcia, que disse ¿não¿, mas em seguida acrescentou um ¿vamos avaliar¿, deixando claro que pode haver uma mudança na posição do Brasil se houver ¿gestos muito fortes¿ do presidente eleito.

Para Lula, não tem negociação possível: ¿ É apenas uma questão de bom senso, de princípios e de não pactuar com o vandalismo político na América Latina.

Se isso prevalecer, a democracia correrá sério risco.

O presidente, entretanto, não fechou totalmente a porta.

Ele reagiu à declaração do presidente de Costa Rica, Óscar Árias que, criticou a ¿dupla moral¿ dos que apoiaram a reeleição do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, mas se recusam a reconhecer a eleição hondurenha. Para Lula, ¿são duas coisas totalmente distintas¿. Sobre o argumento defendido por alguns de que é preciso agora dialogar e não punir, Lula deixou clara a posição do Brasil: ¿ Volta o presidente (Zelaya), convoca eleições e volta à normalidade de Honduras. É tudo o que queremos. Não dá para fazer concessão a golpista.

A Venezuela foi além e criticou os países que reconheceram as eleições, depois de o Grupo do Rio ter exigido a restituição de Zelaya antes do pleito.

A Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba) seguiu o mesmo caminho e num documento à margem da cúpula reafirmou que não reconhecerá o resultado das eleições