Título: Azeredo vira réu no Supremo
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 04/12/2009, O País, p. 3
Por 5 votos a 3, STF abre processo contra senador pelo mensalão do PSDB de Minas
BRASÍLIA
CORRUPÇÃO DOCUMENTADA
O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu ontem ação penal para investigar a participação do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) no mensalão mineiro, suposto esquema de desvio de dinheiro público para financiar a campanha do tucano à reeleição no governo de Minas Gerais, em 1998. Por cinco votos a três, Azeredo foi transformado em réu e responderá a ação por peculato (apropriação de bens públicos) e lavagem de dinheiro. Segundo o Ministério Público Federal, foram desviados R$ 3,5 milhões dos cofres mineiros.
Um dos braços do esquema seria Marcos Valério ¿ o mesmo operador do mensalão do PT, no qual o governo federal teria pagado propina a parlamentares em troca de apoio no Congresso Nacional.
O inquérito do mensalão do PSDBMG está no STF desde dezembro de 2005. Em novembro de 2007, o então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, ofereceu ao tribunal denúncia contra Azeredo e outras 14 pessoas que teriam integrado o esquema. O relator, Joaquim Barbosa, determinou que os outros acusados, que não têm direito ao foro privilegiado, fossem julgados na primeira instância da Justiça de Minas Gerais. No mês passado, Barbosa votou, em plenário, pela abertura de ação penal contra Azeredo.
Voto de Toffoli deixa Joaquim irritado
A sessão de novembro fora interrompida por um pedido de vista do ministro José Antonio Toffoli, que devolveu o processo ontem ao plenário e votou pelo arquivamento do caso. Para o ministro, não há na denúncia do Ministério Público indícios de que Azeredo cometeu os crimes. Ele também ressaltou que o relator citou no voto um recibo que a defesa diz ser falso. O documento comprovaria que o exgovernador recebeu R$ 4,5 milhões de empresas de Marcos Valério para saldar compromissos, em 1998.
O voto de Toffoli deixou Joaquim irritado. O relator argumentou que o recibo era apenas um dos indícios, e não o único.
Toffoli não gostou da intervenção.
¿ Com licença. Eu ouvi o ministro relator por dois dias, quero acabar de votar ¿ disse, provocando a ira de Joaquim, que reagiu: ¿ Parece até agora que o senhor não me ouviu, não leu o que está nos autos e não leu o meu voto.
Enquanto o colega votava, Joaquim ficou impaciente e soltou comentários ao microfone pouco usuais nos julgamentos da Corte, como um sonoro ¿êeeeta¿. Toffoli não se intimidou e disse: ¿ Não é possível constatar o vínculo do indiciado à prática dos crimes apontados na denúncia pelo Ministério Público Federal. Tenho que a peça acusatória, sem especificar de modo concreto a participação do investigado, vem atribuir-lhe objetivamente responsabilidade pelos eventos tidos como delituosos pelo fato de ser ele, à época, governador do Estado de Minas Gerais.
Eros Grau e Gilmar contra o relator
O voto de Toffoli conquistou outros dois adeptos: Eros Grau e Gilmar Mendes. No entanto, quatro outros ministros concordaram com o relator: Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso e Marco Aurélio Mello. Eles consideraram que, para a abertura de ação penal, não é necessário haver provas contundentes, apenas indícios do crime.
Não estavam presentes à sessão os ministros Celso de Mello, Ellen Gracie e Cármen Lúcia.
¿ Se essa documentação é convincente ou não, a chegar-se à condenação do envolvido, é outra história, que deverá ser estampada, se recebida a denúncia, na decisão final do tribunal. Não se requer a demonstração inequívoca da culpa para o recebimento da denúncia ¿ disse Marco Aurélio.
Carlos Ayres Britto disse que há, nos autos, indícios de caixa dois, ou seja, a prática de receber durante a campanha dinheiro não declarado à Justiça Eleitoral.
¿ Entendo que se montou mesmo no Estado de Minas Gerais um modelo de caixa dois. É um modelo mais do que espúrio, um modelo maldito de financiamento de campanha.
É uma desgraça no âmbito dos costumes políticos eleitorais brasileiros ¿ disse ele.
Ayres Britto apontou semelhanças entre o mensalão mineiro e o mensalão do governo federal: ¿ O esquema parece até reprise de um filme. Foi um modelo que fez escola, ao que parece. Os protagonistas, o ¿modus operandi¿, o tipo de benefício... (Nos dois casos, havia) um agente que não entendia nada de publicidade, mas entendia tudo de finanças.
Assim como fez no mês passado, Joaquim afirmou que os dois esquemas têm muitos pontos e muitos participantes em comum. Em novembro, o relator defendeu que os dois processos tivessem julgamento final na mesma data. Ainda não há previsão de quando isso vai acontecer.
¿ O caso apresenta inúmeras semelhanças com o caso do mensalão ¿ disse o relator.
Dinheiro passou por conta no Banco Rural
Segundo a denúncia, o esquema de Minas Gerais funcionou da seguinte forma: as empresas de Marcos Valério tomaram dinheiro emprestado do Banco Rural numa operação fictícia.
A dívida foi paga com dinheiro de três estatais vinculadas ao governo do estado: a Companhia Mineradora de Minas Gerais (Comig), a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) e o Banco do Estado de Minas Gerais (Bemge).
O total dos repasses públicos para as empresas de Marcos Valério foi de R$ 3,5 milhões, a pretexto de um patrocínio público para três eventos esportivos organizados pelas empresas SMP&B e DNA.
Os eventos teriam custado apenas R$ 98,9 mil. O restante do dinheiro teria sido investido na campanha de Azeredo, com direito a propina para os operadores do esquema. O dinheiro teria passado por contas no Banco Rural.