Título: Ousadia
Autor: Minc, Carlos
Fonte: O Globo, 07/12/2009, Opinião, p. 7

Aconteceu o que quase ninguém acreditava. O Brasil mudou de posição, apresentou metas de redução de emissões de 36% a 39% em relação a 2020 e passou a protagonista na Conferência de Copenhague. Esta foi fortalecida pelo anúncio do menor desmatamento da Amazônia em 21 anos - 7 mil km de área desmatada, um terço da média dos últimos dez anos. Isto alterou o equilibro imobilista, em que os países desenvolvidos (PDs) não avançavam seus números de redução e de contribuições financeiras enquanto grandes emissores em desenvolvimento não assumissem compromissos numéricos. Estes não o faziam, arguindo a responsabilidade histórica dos mais ricos.

A mudança da posição do Brasil foi decisiva para que outros países em desenvolvimento (PemDs) assumissem metas , como a Coreia e a Indonésia, e ajudou o movimento mundial de repúdio á declaração conjunta da China e dos EUA de que não levariam metas para Copenhague. A resistência mundial ao naufrágio levou os EUA e a China a apresentarem metas, ainda que tímidas, e trouxe alento a Copenhague.

A virada da posição do governo foi demanda dos ambientalistas, da sociedade civil e de setores do empresariado; foi construída com especialistas das áreas ambiental, de ciência e tecnologia, da Embrapa e da energia renovável; estes demonstraram que a redução de emissão seria obtida com crescimento da economia, aumento de produtividade e com criação de milhões de empregos verdes. O combate ao desmatamento, na Amazônia e no Cerrado, será acompanhado pelo Arco Verde, com extrativismo moderno e integrado, manejo florestal, agricultura de alto rendimento e baixo impacto, regularização fundiária, piscicultura, transformação de produtos florestais. A contribuição da agricultura às reduções virá da integração lavoura-pecuária, da recuperação de áreas degradadas, do plantio direto; com eficiência e redução de custos, inclusive dos alimentos. O incremento do etanol, do biodiesel, da retomada das hidrelétricas, o aumento da participação da energia eólica e da biomassa reduzirão o carbono da matriz energética. O Aço Verde será fabricado com carvão vegetal de árvores plantadas, defendendo os biomas e a indústria brasileira, pois nossas árvores crescem em 6 anos, enquanto na Europa levam 24 anos.

O temor da repercussão negativa no Grupo dos 77 foi superada quando os ministros da África do Sul, da Índia, da China afirmaram que não se sentiriam constrangidos com a posição brasileira mais avançada, desde que fossem consideradas suas condições diferenciadas.

Nem tudo será resolvido em Copenhague. Temos que ousar, com criatividade e alimentando a opinião pública mundial. No Brasil devemos avançar com os cientistas, com planos, como os de São Paulo e do Rio de Janeiro, a iniciativa privada e com os cidadãos para a mudança nos padrões de produção e de consumo de baixo carbono, criando milhões de empregos verdes e contribuindo para enfrentar a maior crise da história da humanidade.

CARLOS MINC é ministro do Meio Ambiente.