Título: Sem medo
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Fonte: O Globo, 07/12/2009, Opinião, p. 6

Apolítica externa brasileira tem longa tradição de pragmatismo. Nela, privilegiam-se os interesses de longo prazo dos Estados. Acertadamente, governos específicos e suas ideologias são vistos como secundários. Apesar disso, mais de três anos após a assinatura da adesão da Venezuela ao Mercosul, há setores no Brasil que ainda discutem essa incorporação como se fosse um plebiscito sobre Chávez.

A miopia estratégica que nutre esse debate superficial pode ser danosa para os interesses brasileiros. A adesão da Venezuela ao Mercosul é, do ponto de vista do Brasil, a culminação de um processo histórico de adensamento de relações bilaterais que perpassou governos de distintos matizes políticos, tanto em nosso país quanto na Venezuela. Contudo, há setores da oposição que insistem em colocar a adesão da Venezuela ao bloco no quadro estreito do "chavismo" e "antichavismo". Os argumentos são frágeis. O principal aponta uma suposta incompatibilidade entre o regime político venezuelano e a cláusula democrática do Mercosul. Ora, o Protocolo de Ushuaia é claro: sanções só são aplicáveis em caso de "ruptura da ordem democrática", o que não aconteceu na Venezuela. A cláusula não deve ser ignorada, mas não se deve ir além dela. Outro argumento tange à possibilidade de Chávez vir a "perturbar" o Mercosul, em razão de sua "agenda política contrária ao capital estrangeiro e ao livre comércio". Bem, os nossos produtos são muito bem-vindos na Venezuela, como demonstram os US$4,6 bilhões de superávit que obtivemos em 2008, mais de duas vezes o que obtivemos com os EUA, e os US$15 bilhões que a iniciativa privada brasileira investiu naquele país. Essa boa acolhida deverá ser revertida, caso o Brasil rejeite o ingresso da Venezuela.

O Mercosul representa oportunidade para que os países cresçam, inclusive democraticamente. Com a integração, tendemos todos a melhorar. A oposição da Venezuela já reconheceu isso. Só falta a nossa, em reconhecimento à longa tradição de pragmatismo da nossa política externa, votar pela Venezuela no Mercosul. Sem medo.

FLORISVALDO FIER (DR. ROSINHA) é deputado federal (PT-PR) e integrante do Parlamento do Mercosul.