Título: Ilusão tabagista
Autor: Issa, Jaqueline Scholz
Fonte: O Globo, 05/12/2009, Opinião, p. 7

OBrasil, apesar de grande produtor e exportador de tabaco, é o país com a maior taxa anual de redução no número de fumantes, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).

O marco inicial dessa política eficaz de controle do tabagismo ocorreu em dezembro de 1994 com a tentativa de regulamentar a propaganda do cigarro no Brasil. Em 1996, enfim, regulamentou-se a propaganda e proibiu-se o tabagismo em ambientes fechados públicos e privados, criando-se, no entanto, os ¿fumódromos¿. Isso determinou a primeira mudança comportamental expressiva na sociedade brasileira.

A pressão contrária à aprovação da Lei 9.294/96 foi pesada, assim como está sendo atualmente a resistência à aprovação da Lei 5.517/09, que restringe o tabagismo em ambientes fechados no Rio de Janeiro.

Os argumentos dos defensores da indústria do tabaco são:

¿O Estado não pode interferir na liberdade de expressão das pessoas¿; ¿isso fere o direito de liberdade¿; ¿o cigarro é uma droga lícita, blá, blá.¿

Eles se repetem quando surge alguma medida restritiva que promove redução no consumo de tabaco. Os defensores da indústria apoderam-se do discurso de liberdade como se o fumante fosse alguém liberto, que exercesse a livre escolha de fumar ou não. Que crueldade!

A indústria do tabaco há mais de 40 anos sabe que vende dependência e adição. Durante anos, essa indústria aperfeiçoou e manipulou seus produtos, causando maior dependência e dificultando sobremaneira o abandono do vício.

O conceito de livre arbítrio não se aplica a uma droga como a nicotina. Sob seu efeito, nosso cérebro nos boicota; não somos donos de nossas escolhas, viramos reféns do desequilíbrio que a droga promove em nosso cérebro.

Os receptores cerebrais de prazer querem a nicotina, clamam por ela, e ficam extasiados quando atendidos. É o chamado reforço de condicionamento positivo.

Para um fumante, parece muito ¿conveniente¿ acreditar que fumar é uma escolha. Doce ilusão.

Em 2003, a OMS organizou um tratado mundial para controle da epidemia tabagística que, entre outras medidas, prevê a criação de ambientes fechados livres da fumaça do cigarro. O Brasil aderiu ao tratado e o ratificou no fim de 2005. É importante ressaltar que a Lei fluminense 5.517/09 atende a essa Convenção.

JAQUELINE SCHOLZ ISSA é cardiologista do Incor, de São Paulo, e responsável por pesquisa que avalia impacto da lei antifumo em São Paulo e no Rio de Janeiro.

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