Título: Testemunha liga Berlusconi à Máfia
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Fonte: O Globo, 05/12/2009, O Mundo, p. 42

Criminoso afirma que, antes de entrar para a política, nos anos 90, o primeiro-ministro italiano trocou benefícios pelo apoio da Cosa Nostra

DELL¿UTRI: braço-direito de Berlusconi seria intermediário com a máfia

POLICIAIS CERCAM o biombo que protege o mafioso Gaspare Spatuzza, num bunker subterrâneo num tribunal de Turim: medidas excepcionais de segurança

TURIM, Itália

Em mais um escândalo a envolver Silvio Berlusconi, o mafioso siciliano Gaspare Spatuzza vinculou ontem, durante seu testemunho num tribunal de Turim, o primeiro-ministro da Itália e seu braço-direito, Marcello Dell¿Utri, a atentados da Cosa Nostra nos anos 90. Segundo Spatuzza, o capo Giuseppe Graviano, condenado por uma série de ataques a bomba em 1993, contou-lhe que a Máfia tinha um acordo com Berlusconi.

Spatuzza é um condenado à prisão perpétua por vários assassinatos que resolveu colaborar com a polícia. Ele contou que os atentados pararam depois de Graviano lhe dizer que a Máfia já tinha praticamente o país em suas mãos. Graviano lhe confidenciou que estava acontecendo algo que ia lhes trazer benefícios, ¿a começar pelos que estão na cadeia¿. Mais tarde, num encontro num café na Via Veneto, em Roma, em 1994, o chefe mafioso revelou um acordo com Berlusconi, no qual Dell¿Utri servia como intermediário.

¿ Ele estava como se tivesse ganhado na loteria ¿ disse. ¿ Nós nos sentamos e ele me disse que tínhamos que matar alguns carabineiros para dar o golpe de misericórdia. Que havíamos obtido tudo o que buscávamos graças à seriedade das pessoas que haviam levado adiante essa história, e não como os quatros cornos socialistas que haviam recolhido nossos votos em 1988 e 1989 e depois abriram uma guerra contra nós. Me deu nomes, entre eles o de Berlusconi.

Teria sido alguns meses depois desse encontro que Berlusconi entrou para a política e foi eleito premier pela primeira vez.

¿ Essa acusação é uma loucura, é algo inacreditável. Nosso governo é o que mais lutou contra a Máfia ¿ comentou Berlusconi durante o conselho de ministros, segundo fontes.

`Os mortos não nos pertenciam¿

Por trás de um biombo médico, Spatuzza testemunhou por duas horas num bunker subterrâneo do Tribunal de Apelações de Turim, no julgamento do recurso do senador Dell¿Utri, condenado em 2004 por ligações com a Máfia siciliana e sentenciado a nove anos de prisão. A primeira audiência pública do mafioso foi cercada de rigorosas medidas de segurança, com policiais protegendo o prédio e procurando explosivos. Spatuzza chegou escoltado por dez agentes e testemunhou com um policial de cada lado e oito homens à paisana rodeando o biombo.

A expectativa gerada pelo testemunho de Spatuzza dentro e fora do país parece justificar as medidas de segurança, já que de suas declarações pode depender não só o futuro imediato de Dell¿Utri e Berlusconi (que perdeu a imunidade), como também o da Itália.

O criminoso confirmou ter sido o responsável pelos ataques que em 1993 espalharam o pânico em Florença, Roma e Milão. Mas disse que eram ¿atentados anômalos¿ e acrescentou:

¿ Os mortos de Florença, Roma e Milão não nos pertenciam, mas posso dizer que cometemos os assassinatos do juiz (Giovanni) Falcone e de (Paolo) Borsellino porque eram nossos principais inimigos ¿ disse, referindo-se aos juízes anti-Máfia.

Sobre os demais ataques, acrescentou:

¿ Um dia, eu disse a Giuseppe, que era como meu pai: ¿Matamos crianças¿. Ele me respondeu: ¿Está certo que tenhamos matado, assim se move quem tem que se mover.¿

A importância do testemunho está em Spatuzza ter sido o braço-direito dos chefes da Cosa Nostra Giuseppe e Filippo Graviano, do chamado clã de Brancaccio, dos quais recebia ordens diretas. Na prisão, Spatuzza se diz arrependido e começou a estudar teologia.

Com a repercussão do testemunho, a promotoria veio a público afirmar que Berlusconi não foi formalmente relacionado ao caso. Paolo Boaiuti, porta-voz do premier, afirmou:

¿ É inteiramente lógico que a Máfia use seus integrantes para dar declarações contra o primeiro-ministro. Nosso governo vem prendendo oito mafiosos por dia. Prendeu 15 dos 30 foragidos mais procurados. Confiscou 8 milhões por dia, totalizando 5,6 bilhões.

Dell¿Utri, considerado o arquiteto da ascensão política de Berlusconi, afirmou que não conhece os mafiosos e que o testemunho faz parte de um complô político contra o governo. Seus advogados querem questionar a credibilidade da testemunha. Embora Berlusconi e Dell¿Utri tenham classificado as declarações como absurdas, elas indicam inquietações dentro da Máfia, segundo analistas.

¿ A Cosa Nostra se prepara para cobrar a conta a Berlusconi porque se sente abandonada após as negociações nos anos 90 ¿ disse o especialista Giuseppe D¿Avanzo.