Título: Pão de Açúcar fisga mais um
Autor: D"Ercole, Ronaldo; Ribeiro, Erica
Fonte: O Globo, 05/12/2009, Economia, p. 35

CONCENTRAÇÃO NO VAREJO

Depois do Ponto Frio, grupo de Abílio Diniz leva agora Casas Bahia, da família Klein

Sem desembolsar um único centavo de seu capital, o grupo Pão de Açúcar fechou ontem uma operação que lhe dará o controle das Casas Bahia, reforçando sua posição na liderança do varejo nacional. Pelo acordo, as lojas das Casas Bahia serão incorporadas pela Globex (holding que controla o Ponto Frio, comprada pelo Pão de Açúcar em junho), juntamente com as lojas Extra Eletro. Dessa união, surgirá uma nova companhia, especializada em eletrodomésticos (eletrônicos, linha branca e móveis), com mais de mil pontos de vendas distribuídos por 18 estados, e vendas anuais de R$18 bilhões no setor. O novo arranjo societário dará ao empresário Abílio Diniz o controle da companhia - 51%. À família de Samuel Klein, fundador das Casas Bahia, caberão 49%.

A transação será submetida à aprovação do Conselho de Administração do Pão de Açúcar em 11 de janeiro, e sua aprovação transformará o grupo - com os setores de alimentos e eletrodomésticos - num gigante varejista, com faturamento anual de R$40 bilhões, 1.582 lojas, e 130 mil empregados.

- Esse é um negócio de ganha, ganha e ganha. As sinergias são claras e a estimativa de ganhos que estamos divulgado, de R$2 bilhões, é baixa. Há grande oportunidades de ganhos de eficiência que devem ajudar a baixar nossos preços ao consumidor final - disse Diniz, ao anunciar a operação, tendo a seu lado Michael Klein, diretor-executivo das Casas Bahia. - Nossa intenção é ocupar não só todos os estados, mas também todos os municípios do país.

Uma das bandeiras pode desaparecer

Diniz, que divide o controle acionário do grupo Pão de Açúcar (Companhia Brasileira de Distribuição) com o grupo francês Casino, destacou o trabalho "admirável" das Casas Bahia para vender às classes mais baixas. E disse ter sentido "inveja" quando a rede inaugurou, há semanas, uma loja na favela de Paraisópolis, em São Paulo. Embora minoritário, Michael Klein vai presidir o Conselho da nova empresa, e seu filho Raphael irá presidi-la.

- Para nós é uma honra estarmos nos associando com a família Diniz, criando uma nova companhia - afirmou Klein.

Inicialmente, a nova empresa manterá as três marcas (Ponto Frio, Casas Bahia e Extra Eletro), segundo Diniz. A ideia é, a partir de pesquisas de mercado, usar a bandeira mais adequada ao perfil dos clientes. Será Casas Bahia onde predominem consumidores das classes C, D e E, e Ponto Frio ou Extra Eletro em áreas de renda mais elevada. Cláudio Galeazzi, presidente-executivo do Pão de Açúcar, entretanto, admitiu que uma das bandeiras poderá ser descartada - a mais cotada é a do Extra Eletro.

As conversas começaram há dois meses, por iniciativa de Diniz. Ele contou que procurou Klein e disse que gostaria de "tê-lo trabalhando conosco", com uma empresa muito maior. Mas as negociações em torno da estrutura da operação só começaram para valer há três semanas. Com a valorização excessiva dos papeis da Globex no pregão de anteontem, a BM&F Bovespa questionou o Pão de Açúcar se havia algo em curso, e o anúncio do negócio foi acelerado.

A empresa que nascerá da operação terá capital aberto. O diretor financeiro do Pão de Açúcar, Eneas Pestana, disse que o fato de as Casas Bahia ser uma empresa familiar e de capital fechado não deve atrapalhar a integração, que deve acontecer em quatro meses.

- As Casas Bahia vêm se preparando. Contrataram a Ernst Young em julho do ano passado, e estão fazendo um trabalho profundo. Então a empresa vem se adaptando a uma regra muito melhor do que era no passado, a despeito de ser uma empresa familiar e fechada. Porque ela se tornou obrigada a publicar balanço, pelo seu tamanho, pela nova legislação empresarial do país - explicou Pestana.

A investida sobre as Casas Bahia faz parte de estratégia definida há dois anos pelo Pão de Açúcar, de expandir seus negócios em não alimentos - o grupo estima que o mercado nacional de eletrodomésticos, que movimentou cerca de R$68 bilhões em 2008, deve atingir R$134 bilhões em 2013. Com a compra do Ponto Frio e agora das Casas Bahia, o faturamento do grupo com eletrônicos, de R$2,2 bilhões em 2008, salta para mais de R$18 bilhões.

Michel Klein saiu de São Paulo e chegou ao Rio por volta de 15h para o discurso de abertura da Super Casas Bahia, no Riocentro, Zona Oeste da cidade. Em um auditório onde reuniu cerca de mil funcionários predominaram palavras de incentivo à equipe. Klein deixou para o fim o anúncio da negociação com o Pão de Açúcar, transmitida aos empregados como se a empresa tivesse conquistado a rede Ponto Frio.

- Hoje, anunciamos, de madrugada, um contrato, onde vamos absorver todas as lojas do Ponto Frio - disse Klein, ovacionado pela plateia, aos berros de "O Ponto Frio é nosso, aha, uhu!".

Durante a transição, disse Klein, a empresa vai receber dez mil novos funcionário. Ele afirmou ainda que está dando de presente para seu pai, Samuel Klein, a realização de ter mais de mil lojas na rede.

- Disseram que ter sócio é ter patrão. Não é isso. Vamos arregaçar as mangas porque não vai ter para ninguém.

Klein disse que Diniz o chamou para conversar para saber se existia sinergia para juntar as empresas.

- Foi um bate-papo. Não foi uma oferta porque a Casas Bahia não foi vendida. É uma sociedade nova. O controle da administração, da operação, continua com a gente.

Ele descartou demissões e disse que todos os funcionários serão incorporados em uma empresa só. Mas tanto o professor da Universidade de São Paulo (USP) Nelson Barrizzelli quanto a analista da Ativa Corretora Juliana Campos afirmam que demissões são inevitáveis nesse tipo de negócio. Para Pestana, do Pão de Açúcar, poderá haver redução no médio prazo em áreas onde há duplicação de cargos. Segundo ele, o maior ganho está na troca de experiências entre as duas empresas e nas sinergias que vão ajudar a reduzir custos.

A operação consolida a liderança do Pão de Açúcar no varejo brasileiro, segundo o especialista em varejo e coordenador do programa Provar, da Universidade de São Paulo (USP), Cláudio Felisoni.

- O negócio que surge agora é o maior do varejo no Brasil. O faturamento do líder do varejo ficará 70% acima do segundo colocado.

COLABORARAM: Lucianne Carneiro e Cássia Almeida