Título: O que a autoridade faz, o cidadão acha que também pode fazer
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 06/12/2009, O País, p. 4

CORRUPÇÃO DOCUMENTADA: Pesquisas mostram que brasileiro é permissivo

SÃO PAULO. Punir os corruptos é o caminho para concluir o processo da democratização brasileira, iniciado com o aumento da fiscalização e da transparência, após a ditadura militar. É o que diz a cientista política Rita Biason, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que tem desenvolvido várias pesquisas sobre corrupção no país e alertado para o alto grau de permissividade dos brasileiros.

¿ A corrupção não aumentou.

Com a democratização, há mais cobrança de responsabilidades, prestações de contas, fiscalização e transparência. Mas não conseguimos consumar a punição, que é a ponta final do processo. O percurso precisa ser fechado urgentemente. O cidadão é refratário: o que a autoridade pode fazer, ele também pode ¿ diz a pesquisadora.

De acordo com Rita Biason, enquanto o Brasil não conseguir punir os casos de maneira exemplar, não haverá resposta da população.

As últimas pesquisas da cientista, feitas no ano passado com dois grupos de 800 e 300 universitários de classe média e alta de São Paulo, mostram um quadro alarmante de permissividade e de falta de distinção entre o público e o privado.

¿ Ao mesmo tempo em que eles rejeitam com veemência a corrupção pública e o nepotismo, quando os casos envolvem a vida pessoal dos indivíduos eles demonstram uma tolerância bem cristã. Considero que há realmente um fator cultural, até pela solidariedade ¿ disse.

Rita constatou que há alta rejeição da corrupção política, mas, ao mesmo tempo, os entrevistados têm dificuldade de perceber a diferença entre o público e o privado: ¿ Exemplo: 78% condenam o cidadão pagar por fora para conseguir adiantar um serviço público.

Mas 51% acham que é normal pedir a mesma coisa a um vizinho ou amigo, como favor.

Corrupção não é só crime. É também doença sem cura

Outra análise, esta na área de personalidade, diz que corrupção não é só crime. É doença também. Chama-se Transtorno de Personalidade Antissocial e pode ser diagnosticada. Não tem cura, mas pode até ser percebida pelo eleitor mais atento.

Segundo a psiquiatra Hilda Morana, coordenadora do departamento de Ética e Psiquiatria Legal da Associação Brasileira de Psiquiatria, os corruptos têm um ¿defeito¿ nas áreas suborbitárias do cérebro, responsáveis pela formação do senso ético: ¿ A corrupção é classificada como uma doença, um tipo de transtorno de personalidade.

Prefiro tratar como um defeito de caráter, que é congênito. O corrupto não teve uma das áreas do cérebro bem formada. É essa área que leva a pessoa a gostar, a respeitar e a não ultrapassar o limite do outro ¿ diz a psiquiatra, que atua na área forense.

De acordo com ela, os corruptos não sentem sequer vergonha ao roubar o dinheiro que é destinado ao bem comum: ¿ Eles não se envergonham, não se preocupam como aqueles que têm caráter. Inventam motivos, são mentirosos contumazes.

Inventam até compras de panetones no Natal.

A psiquiatra lembra que nem sempre os corruptos estão no mundo político: ¿ São pessoas que têm uma desconsideração profunda pelos outros, mesmo que disfarcem.

Elas têm plena consciência, mas não sentem consideração.

E há vários graus de transtorno, um espectro de manifestações.

Às vezes, o grau é tão alto que chega à sociopatia.

De acordo com a psiquiatra, o comportamento dos corruptos não está relacionado à criação ou à educação: ¿ Quando a pessoa nasce assim, tanto faz os pais baterem ou darem beijinhos. É congênito e, muitas vezes, genético.

Mas há famílias onde há mais casos, outras menos.

Para detectar o transtorno, a psiquiatra ensina: ¿ Quando alguém te tratar bem demais, querendo saber tudo sobre você, desconfie. Se você não ficar atento, essa pessoa voltará para golpeá-lo.

Os corruptos políticos, segundo a psiquiatra, são genéricos, ou seja, não conseguem se aprofundar nos problemas reais da sociedade. Geralmente têm soluções prontas para tudo e fazem suas campanhas atacando o adversário, em vez de se aprofundar nos próprios projetos.

¿ Para detectar um corrupto nas eleições, é preciso analisar com profundidade a consistência de suas promessas e suas atitudes. Quando um político tiver uma solução fácil para tudo, desconfie. Os políticos éticos pesquisam com profundidade, se envolvem com os problemas sociais e não passam o tempo atacando os adversários, porque têm propostas.