Título: Racha entre os emergentes
Autor: Berlinck, Deborah; Jansen, Roberta
Fonte: O Globo, 10/12/2009, Ciência, p. 40

Proposta do pequeno arquipélago de Tuvalu trava negociações e expõe diferenças no G-77

Enviadas especiais ¿

COPENHAGUE

Uma proposta do pequenino arquipélago de Tuvalu, apresentada ontem na Conferência do Clima das Nações Unidas, aprofundou as divisões entre os países pobres e em desenvolvimento, que até então tentavam manter uma voz comum no Grupo dos 77 (G-77, do qual o Brasil faz parte), indicando o quanto um acordo global poderá ser complexo. Ao mesmo tempo, os europeus deram novos sinais de que querem deixar de lado os princípios do Protocolo de Kioto, que prevê esforços apenas dos países ricos para cortar emissões poluentes.

Enquanto praticamente todos os negociadores reunidos em Copenhague trabalham com a perspectiva de um aumento inevitável da temperatura da Terra de 2 graus Celsius, as nações insulares do Oceano Pacífico tentam se fazer ouvir: tal elevação poderia submergir seus países com o aumento do nível do mar.

Nas negociações de ontem, representantes de Tuvalu propuseram uma emenda à Convenção do Clima da ONU, para que o aumento das temperaturas globais se limite a 1,5 grau Celsius acima dos limites pré-industriais.

A proposta foi rechaçada por nações ricas e também por vários países do G-77, como China e Índia.

¿ Nosso futuro depende do resultado deste encontro ¿ afirmou o negociador de Tuvalu, Ian Fry.

O pequeno arquipélago é muito próximo politicamente e depende da ajuda financeira da Austrália, país que só há dois anos aderiu ao Protocolo de Kioto. O apelo de Tuvalu, porém, ao mesmo tempo que propõe uma meta mais ambiciosa de redução de emissões, poderia exigir um esforço maior de cortes de gases por parte de outros países em desenvolvimento ¿ e não apenas das nações ricas

Dinamarca sugere extensão de Kioto

A negociadora de Kiribati, Tessie Eria Lambourne, fez coro a Tuvalu, lembrando que, para essas nações, não se trata de uma discussão sobre crescimento econômico, mas sim sobre sua própria existência.

¿ Com 2 graus a mais, não estaremos mais aqui. Se assinarmos esse acordo, será um pacto de suicídio.

O negociador-chefe do Brasil, o embaixador Luiz Alberto Figueiredo, negou racha no Grupo dos 77. Segundo ele, é natural que haja posições diferentes dentro do bloco. Mas ele garantiu que o G-77 vai seguir unido: ¿ O grupo é bastante diverso.

Mas nós convivemos com esta diversidade, buscando consenso.

A proposta de Tuvalu havia sido apresentada há seis meses, na Convenção do Clima da ONU, em Bonn, e ontem foi submetida à plenária da COP-15. Com a dura oposição de países produtores de petróleo e de outros grandes emergentes, como China, Índia e África do Sul, a proposta não seguiu adiante. Diante disso, os representantes de Tuvalu teriam pedido a suspensão da sessão de negociações.

O secretário-executivo da Convenção do Clima da ONU, Yvo de Boer, minimizou o incidente, afirmando que a sessão havia sido suspensa, sim, mas ¿para o almoço¿.

Alguns delegados e integrantes de ONGs, no entanto, protestaram contra o desdobramento da reunião marchando pelos corredores do Bella Center, onde ocorre a convenção.

¿ Dois graus é suicídio ¿ gritavam os manifestantes.

O vazamento de uma outra proposta da Dinamarca trouxe mais confusão às negociações. Num texto de quatro páginas, os dinamarqueses sugerem a extensão do Protocolo de Kioto a partir de 2012 até 2020. O protocolo, que entrou em vigor em 2005, obriga países ricos, e não os países em desenvolvimento, a reduzirem suas emissões. Mas, em outro documento, a Dinamarca sugere que

a partir de 2020 e até 2050 todos os países, incluindo os em desenvolvimento, devem ter metas.

Brasil, China e Índia são contra.

Eles frisam que suas ações são ¿compromissos voluntários¿ e não abrem mão do princípio de que cabe aos países ricos o esforço maior para rel

duzir as emissões poluentes. Ontem, os países ricos foram acusados de ¿colonialismo de carbono¿: ¿ O texto dinamarquês parece assegurar 60% da atmosfera para os 20% países mais ricos do mundo ¿ criticou Lumumba Stanislaus DiAping, diretor do G-77