Título: Nobel da Paz, Obama defende a guerra justa
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Fonte: O Globo, 11/12/2009, O Mundo, p. 37

Presidente justifica uso da força em questões mundiais em resposta à controvérsia de receber premiação à frente de 2 conflitos

OBAMA CONTEMPLA a medalha de ouro recebida em Oslo: prêmio de US$1,4 milhão será doado

OBAMA E Michelle chegam para a premiação: 36 minutos de discurso sóbrio em que a palavra guerra foi usada 44 vezes

OSLO

Em seu discurso ao receber a mais importante condecoração por contribuição à paz mundial, o presidente americano, Barack Obama, fez ontem uma forte defesa da ¿guerra justa¿, afirmando que os instrumentos da força desempenham um papel na preservação da paz. Sua mensagem na cerimônia de entrega do Prêmio Nobel da Paz, em Oslo, foi recebida ainda como uma resposta franca à ironia de se receber o título mesmo estando por trás de duas guerras ¿ Iraque e Afeganistão ¿ e apenas nove dias após autorizar o envio de mais 30 mil soldados para reforçar as trincheiras afegãs. Em seus 36 minutos de discurso, a palavra ¿guerra¿ apareceu 44 vezes, contra 31 de ¿paz¿.

¿ Os instrumentos de guerra desempenham um papel na preservação da paz. E ainda assim essa verdade precisa coexistir com outra: a de que não importa o quão seja justificável, guerra promete tragédia humana ¿ afirmou.

Logo no início do discurso, finalizado com assessores durante a viagem de avião, Obama foi direto à controvérsia da premiação, anunciada há dois meses, em seu primeiro ano de mandato.

¿ Eu seria negligente se não reconhecesse a considerável controvérsia que sua generosa decisão gerou. Em parte, isso é porque eu estou no começo, e não no fim, dos meus trabalhos no palco mundial ¿ disse Obama, para mais tarde acrescentar: ¿ Mas talvez a mais profunda questão em torno do recebimento desse prêmio é o fato de que eu sou comandante-em-chefe de uma nação envolvida em duas guerras.

Contribuição dos EUA para a paz mundial

Falando para uma plateia de 1.000 pessoas que incluía a família real da Noruega e membros do governo, além de artistas como Will Smith, Obama usou um tom professoral ao defender que nem sempre é possível atingir a paz sem o horror da guerra e que raramente acreditar na paz é suficiente para alcançá-la. Completou, ainda, que o uso da força pode ser justificado.

¿ Precisamos começar por reconhecer a dura verdade: nós não vamos erradicar conflitos violentos durante nossa vida. Haverá tempos em que nações, individualmente ou em conjunto, acharão que o uso da força é não apenas necessário, mas moralmente justificado.

O presidente da Fundação Nobel, Thorbjorn Jagland, abriu a cerimônia explicando como o comitê havia chegado à sua decisão, há dois meses. Disse que a liderança de Obama foi um chamado à ação e invocou a história de Martin Luther King, vencedor do prêmio em 1964, antes de se virar para o presidente americano:

¿ O sonho do dr. King se tornou realidade.

Antes do discurso, Obama recebeu seu prêmio: um diploma, uma medalha de ouro com o rosto de Alfred Nobel (o próspero químico que criou o prêmio há mais de um século) e US$1,4 milhão que, segundo a Casa Branca, serão doados para caridade.

Seus comentários foram apenas ocasionalmente interrompidos por aplausos. Em seu sóbrio discurso, Obama não se apresentou como um cidadão do mundo, como já fez no passado. Dirigiu-se antes ao povo americano e defendeu o papel que os Estados Unidos desempenharam em conflitos mundiais, afirmando que em grande parte a força foi aplicada para o bem.

¿ Qualquer que tenham sido os erros que cometemos, o fato é: os Estados Unidos ajudaram a subscrever a segurança global por mais de seis décadas com o sangue de nossos cidadãos e a força de nossas armas ¿ afirmou.

Em palavras que lembraram as de seu antecessor na Presidência, George W. Bush, Obama afirmou que ¿o mal existe no mundo¿, e que um movimento pela não-violência não teria parado o exército de Hitler. Defendeu também sanções pesadas contra o Irã e a Coreia do Norte, o desarmamento nuclear, o respeito à Convenção de Genebra, e que os desrespeitos aos direitos humanos sejam punidos. Em Nova York, houve protestos contra a premiação.

¿ Dizer que a força às vezes é necessária não é um apelo ao cinismo, é um reconhecimento da História, as imperfeições do homem e os limites da razão ¿ afirmou ele.

Obama disse ainda aceitar o prêmio com ¿profunda gratidão e imensa humildade¿, afirmando que outros mereciam mais o título. Do lado de fora, uma multidão o recepcionou com uma bandeira amarela escrita em negro: ¿Obama, você o ganhou, agora o mereça¿.

¿ Comparado a alguns gigantes da História que receberam esse prêmio, (Albert) Schweitzer, (Martin Luther) King, (George) Marshall e (Nelson) Mandela, minhas realizações são modestas. Não tenho dúvida de que há outros que possam merecê-lo mais ¿ afirmou. ¿ (Enfrentar conflitos mundiais) requer que nós pensemos novas formas sobre as noções de guerra justa e os imperativos de uma paz justa.

oglobo.com.br/mundo