Título: Honduras não dá salvo-conduto e Zelaya fica
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 11/12/2009, O Mundo, p. 38

Presidente deposto diz ter se negado a assinar renúncia e continua na Embaixada do Brasil. Impasse volta à estaca zero

O PRESIDENTE INTERINO Roberto Micheletti, à direita, ao lado do general Romeu Vázquez, conversam com o presidente eleito, Porfirio Lobo

SÃO PAULO. Menos de 24 horas após a movimentação em torno de sua saída da Embaixada do Brasil em Honduras - onde está há 81 dias - o presidente deposto, Manuel Zelaya, e o governo mexicano confirmaram ontem que desistiram da iniciativa. Com a desarticulação da negociação para que Zelaya deixasse o país, voltou o impasse que se arrasta desde sua deposição, em 28 de junho.

Segundo Zelaya, o governo interino teria exigido dele que assinasse uma carta de renúncia. Só assim Zelaya receberia salvo-conduto, e com isso poderia ir para o México, que chegou a enviar um avião para a missão diplomática. Na versão de Zelaya, ele se negou a assinar o documento e a sua viagem foi abortada às 3h (em Brasília).

Já de acordo com o governo interino, a documentação enviada pelo México não respeitaria as normas. A imprensa hondurenha afirma que não ficava claro que Zelaya seria um asilado político, podendo ser, oficialmente, apenas um convidado. Mais do que um detalhe menor, a figura jurídica de um asilado político impede que ele assuma posturas de caráter político.

- O salvo-conduto era para que eu pudesse estabelecer um processo de diálogo diante desse problema que existe no país. Havia sido solicitado pelo presidente da República Dominicana, Leonel Fernandez, para que eu fosse ao México como chefe de Estado. Mas na última hora o governo de (Roberto) Micheletti queria que eu assinasse uma carta de renúncia. Colocaram essa condição e eu recusei - disse ele, por telefone, ontem de manhã.

Para México, status de visitante é decisão dele

Com o impasse, Zelaya disse não ter previsão de quando deixará a embaixada. Em princípio, continuaria no prédio até 27 de janeiro, quando assumirá o presidente eleito, Porfirio Lobo.

Contrariado com a situação, o presidente deposto disse que não quer deixar Honduras na condição de asilado político. Ontem, Micheletti reforçou a segurança em torno da sede da representação diplomática. Mais de cem homens cercavam o bairro.

O Congresso Nacional votou semana passada moção sobre o pedido de Zelaya para ser reconduzido ao cargo. Foi vencido por 111 votos a 14.

O ministro do Interior interino de Honduras, Oscar Matute, disse, em entrevista à rádio HRN, que ou Zelaya pede asilo a algum país "amigo" ou terá que se submeter às autoridades judiciais. Nesse caso, será preso assim que deixar o prédio da embaixada brasileira. Segundo Matute, o governo interino negou-se a dar o salvo-conduto porque não foi definido o status de Zelaya. O ministro não fala na imposição de uma renúncia, mas diz que o governo estaria até disposto a dar o salvo-conduto.

- É só o México preencher todos os requisitos estabelecidos na Convenção de Caracas - disse o ministro.

O governo mexicano informou que, diante da situação, não havia possibilidade de acolher Zelaya no país. Ele confirmou que chegou a enviar um avião da Presidência para Honduras, mas ele recebeu ordem de deixar o espaço aéreo do país, sendo desviado para El Salvador.

- Esta possibilidade já não está mais vigente - disse a secretária de Relações Exteriores do México, Patrícia Espinosa. - O status migratório de um cidadão de outra nacionalidade é uma faculdade exclusiva do país que o recebe.

O grupo de Zelaya tem exigido não só a restituição, mas o prolongamento de seu mandato por mais seis meses, período em que o país está mergulhado na sua maior crise política. A ideia acirrou os ânimos.

Segundo pessoas próximas a Zelaya, o plano dele, depois de chegar ao México, seria viajar para a República Dominicana, onde teria um encontro com Lobo, o presidente eleito de Honduras. Eles negociariam um retorno do país à normalidade. Depois, Zelaya participaria de uma reunião da Alba, organização liderada pelo venezuelano Hugo Chávez, em Cuba.

Micheletti pede respeito de outros países a Honduras

Ontem à tarde, ainda sob o peso da tensão da madrugada anterior, Micheletti pediu que o seu governo seja respeitado pela comunidade internacional.

- Gostaria de pedir a todas as nações do mundo que respeitem este pequeno país. Aqui em Honduras não temos dinheiro nem petróleo, mas aqui sobra dignidade a cada um dos hondurenhos - disse ele, que afirmou que declarações que "saíram da Embaixada do Brasil são falácias". - Quiseram surpreender Honduras uma vez mais.