Título: Defesa gasta 80% com folha salarial
Autor: Tabak, Flávio
Fonte: O Globo, 13/12/2009, O País, p. 3

Déficit previdenciário das Forças Armadas vai crescer até 2043

Enquanto discute como vai comprar ou construir caças e submarinos de última geração, o Brasil gasta quase todo o seu orçamento de Forças Armadas para pagar salários. De cada R$ 100 que o Ministério da Defesa desembolsa por ano, R$ 80 são destinados aos pagamentos da folha, pensões e aposentadorias de militares. Os outros R$ 20 são fatiados em investimentos (6,74%) e custeio (13,7%), revela estudo do pesquisador Vitelio Brustolin a partir de dados do Siafi. O estudo foi apresentado há dias no programa de Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento do Instituto de Economia da UFRJ.

De acordo com a análise, este padrão se mantém assim há pelo menos 14 anos, contribuindo para o sucateamento das armas de guerra. O orçamento da Defesa gira em torno de R$ 50 bilhões, o terceiro maior do país, atrás apenas de Saúde e Previdência.

A proporção de pagamentos para pessoal na Defesa é maior do que a de outras pastas. De acordo com dados da execução orçamentária da União, coletados no sistema da ONG Contas Abertas, 60% do que o Meio Ambiente gastou em 2008 foi destinado à folha.

Na Educação, o número é menor: 43%; na Saúde, 18%. Os dados se referem a 2008. São mais de 300 mil inativos e pensionistas na Defesa, que, juntos, representam 63% de tudo o que é gasto com pessoal pela pasta, 50% do total do orçamento. Para investir, a pasta depende de créditos suplementares e financiamentos.

Às vésperas de completar um ano analisando propostas de empresas finalistas do projeto FX-2 para a compra de caças, a Força Aérea Brasileira (FAB) ainda não anunciou sua decisão final sobre o negócio, que pode chegar a R$ 10 bilhões.

Déficit de R$ 2 bi até o fim do século

Defesa também não sabe o que fazer com o déficit previdenciário que se alastra a cada ano. Segundo projeção da pasta, feita em março deste ano, a diferença entre o que se arrecada e o que se gasta com pensões e aposentadorias está em R$ 5 bilhões.

A desproporção chegaria ao ápice em 2043, quando atingiria mais de R$ 8 bilhões.

O desequilíbrio continuará mesmo que nenhum recruta entre nas Forças Armadas até 2082. A projeção interna indica, para o fim deste século, déficit de R$ 2 bilhões. O estudo diz que o crescimento está ¿controlado¿ por causa dos efeitos da medida provisória do governo Fernando Henrique Cardoso que restringiu possibilidades para que parentes de militares solicitem pensão.

¿ A pesquisa demonstra o impulso pré-eleitoral do orçamento de defesa, que se traduz no aumento, no ano anterior às eleições e no próprio ano eleitoral, de recursos. Foi assim em 1998, em 2001 e 2002, quando melhor se percebeu tal fenômeno, repetido em 2005 e 2006 ¿ diz Brustolin.

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, reconhece os problemas na folha de pagamento da pasta. Em audiência pública na Câmara dos Deputados, na última quinta-feira, disse que, embora exista preocupação, ainda não há discussão a respeito do impacto dos inativos e pensionistas nos gastos. ¿Qualquer aumento que se concede aos militares tem repercussão imensa¿, disse Jobim. Segundo o ministro, estão sendo feitas análises sobre a estrutura das Forças de outros países.

O comandante da Marinha foi mais claro em audiência em 2007, também na Câmara, ao reclamar da penúria de seus equipamentos. ¿A Marinha padece de grave crise de reaparelhamento basicamente em virtude da persistente constrição orçamentária dos últimos anos. Não obstante o grande esforço empreendido pela Força para manter seu operacional, a disponibilidade de meios ¿ navios, aeronaves etc. ¿ decaiu fortemente, implicando significativa perda da capacidade do poder naval¿, disse Júlio Soares de Moura Neto. À época o comandante estimou que, até 2025, cerca de 87% dos navios da Marinha deveriam ser aposentados por obsolescência.

Em 20 anos, mais 155 mil militares

O presidente da Associação Brasileira de Estudos da Defesa e professor de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF), Eurico Figueiredo, diz que os planos para a área ignoram os problemas atuais da Defesa brasileira.

¿ A contradição é a visão generosa do futuro e a compreensão medíocre do presente, porque nossas forças vivem à míngua. Esses dados da Marinha continuam atuais. As corvetas e fragatas, das décadas de 70 e 80, passam por um processo antropofágico.

Como não são mais fabricadas peças, a Marinha tem que tirar de um para salvar o outro ¿ comenta.

Em nota, o Ministério da Defesa afirma que não há vínculo direto entre orçamentos de custeio e investimento, e as despesas com pessoal. Embora não rechace a desproporção do desembolso com a folha, a pasta alega que ¿não se pode dizer que, se gastos com inativos fossem menores, haveria mais recursos¿. Segundo a nota, o debate sobre o peso ¿das despesas previdenciárias no setor público, e sua relação com o investimento, é uma discussão mais abrangente do Estado brasileiro, e extrapola a questão da Defesa¿.

Sobre o déficit previdenciário, o ministério informa que o estudo não incorporou a previsão de aumento de efetivos nas próximas décadas, estimado em 155 mil militares nos próximos 20 anos, para atender às diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa.

¿Esse impacto deve ser incorporado no estudo que acompanhará a Lei de Diretrizes Orçamentárias a ser entregue em 2010¿, diz a nota. O ministério nega que os recursos aumentam apenas em anos pré-eleitorais.

O GLOBO EM SMS As principais notícias do dia e a manchete de amanhã: envie OGLMAN para 88435 (R$ 0,10 por notícia. Até 6 por dia