Título: Pôquer diplomático
Autor: Queiroz, Silvio; Carvalho, Giselle
Fonte: Correio Braziliense, 29/05/2009, Mundo, p. 22

Manobras de bastidores envolvendo Israel e Estados Unidos consolidam a posição do candidato egípcio à direção do órgão cultural da ONU. Mas o Congresso pressiona o governo a apoiar um brasileiro. Debates na sede da Unesco, em Paris: pulverização de candidaturas dificulta pretensão do vice-diretor brasileiro, Marcio Barbosa A dois dias de expirar o prazo para que os países apresentem oficialmente seus candidatos à direação geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), uma intensa movimentação nos bastidores diplomáticos indica a consolidação do mais polêmico entre os indicados até aqui: o ministro da Cultura do Egito, Faruk Hosni. Apontado por intelectuais e personalidades da cultura de vários países como antissemita, por declarações que sugeriam a determinação de queimar livros em hebraico, Hosni pode se tornar o beneficiário de uma delicada operação em que, segundo fontes diplomáticas ouvidas pelo Correio, envolveria Egito, Israel e os Estados Unidos ¿ parte dos esforços do governo Barack Obama para impulsionar o processo de paz no Oriente Médio e reaproximar os EUA do mundo árabe e islâmico.

Foi com a justificativa de uma opção geopolítica semelhante que o governo Lula decidiu, no fim de abril, abraçar a candidatura egípcia e abrir mão de lançar um dos dois brasileiros cotados para disputar a Unesco: o atual vice-diretor-geral, Marcio Barbosa, considerado nos corredores da organização como um dos pretendentes mais fortes, e o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que tinha o respaldo unânime de seus colegas de casa. ¿A situação está complicada (para a candidatura de Barbosa)¿, admitiu um alto funcionário da Unesco que falou à reportagem por telefone, de Paris. Como o próprio vice-diretor, essa fonte considera ¿muito remota¿ a possibilidade, tecnicamente viável, de que o brasileiro seja apresentado por outro país: ¿A pergunta que os outros se fazem é: `Se o próprio país dele não confia, por que outro iria confiar?¿

Hosni tem o endosso declarado da Liga Árabe e da União Africana, cujos representantes somam 20 dos 58 votos no Conselho Executivo da Unesco, que começará em setembro o processo eleitoral. Mesmo assim, sente o peso da rejeição a seu nome e publicou anteontem no jornal francês Le Monde o artigo Por que sou candidato à direção da Unesco? (leia trechos ao lado). Nesta semana, ele passou a ser considerado ligeiramente favorito, entre outras coisas graças a um acordo pelo qual Israel teria aceitado suspender a campanha de opinião pública contra a candidatura, em nome das boas relações com um país árabe que exerce influência moderadora na disputa com os palestinos. Segundo o Correio apurou entre diplomatas brasileiros, a guinada israelense teria resultado de gestões do governo Obama: o presidente visitará na semana que vem o Cairo e fará um discurso dirigido ao mundo islâmico.

Dispersão Com uma candidatura do Brasil praticamente descartada, vários dos países que nutriam simpatia por Marcio Barbosa se dispersaram entre outras opções ou decidiram lançar candidatos. O resultado, segundo esse funcionário da Unesco, é que a expectativa para domingo é que sejam registradas no mínimo oito candidaturas, possivelmente 10. ¿Hosni é o mais consolidado é o que está em campanha há mais tempo, mas é o que apresenta também maior rejeição¿, pondera a fonte. A relativa pulverização dos votos, no entanto, pode levar o Conselho Executivo a prorrogar o prazo de inscrição, como ocorreu com frequência na história da organização. ¿Pode acontecer muita coisa até setembro.¿

É com essa expectativa que prosseguem em Brasília os esforços, em ambas as casas do Congresso, para que o governo reveja a posição. Na semana passada, as comissões de Relações Exteriores e de Cultura do Senado dirigiram moções ao Planalto e ao Itamaraty pedindo que reconsiderem o apoio ao egípcio e endossem Marcio Barbosa. Ontem, um manisfesto de apoio ao vice-diretor da Unesco, assinado por 153 deputados, foi entregue à mesa da Câmara, onde muitos congressistas da oposição não digerem a explicação do chanceler Celso Amorim, segundo o qual o país está investindo em uma melhor relação com o mundo árabe.

¿É uma insensatez¿, afimou Nárcio Rodrigues (PSDB-MG), acrescentando que ¿não dá para entender¿ o que se passa na cabeça do governo. Para ele, a gestão Lula precisa ficar atenta para a importância do papel da Unesco hoje. ¿Ela está passando por um redimensionamento. Com a questão ambiental aflorando a cada dia, um país como o Brasil, com os recursos hídricos que tem¿, não pode menosprezar a direção da organização ¿ ainda mais considerando a derrota da ministra do STF Ellen Gracie na disputa por uma cadeira no tribunal de apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC).