Título: A imagem do aquecimento é a de um agricultor sem ter o que comer
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Fonte: O Globo, 14/12/2009, Ciência, p. 23
Em entrevista ao GLOBO, em que defendeu o conceito de justiça climática, a presidente de honra da Oxfam Internacional, ex-presidente da Irlanda e exalta-comissária de Direitos Humanos das ONU, Mary Robinson, acusou os negociadores do acordo sobre o clima de não levarem em conta os direitos de milhões de pessoas, sobretudo nas regiões mais pobres do mundo.
O GLOBO: O que é a justiça climática? MARY ROBINSON: É preciso lembrar que os 50 países mais pobres do mundo, justamente os mais afetados pelas mudanças climáticas, são responsáveis por apenas 1% das emissões (de gases do efeito estufa). A primeira parte do que chamamos de justiça climática, então, diz respeito à criação de um fundo para o financiamento de ações de mitigação e adaptação para os países em desenvolvimento.
A segunda parte da justiça climática é fazer com que os países em desenvolvimento sejam equipados para fazerem a transição para uma economia pouco baseada em carbono.
Sem isso, não haverá uma solução para o problema do aquecimento global.
Como seria um mundo de injustiça climática? ROBINSON As três bilhões de pessoas a mais que existirão no mundo em 2050 estarão quase todas em países mais pobres. Se não houver justiça climática, não teremos um mundo seguro em 2050. Hoje, 1,6 bilhão de pessoas não têm acesso à eletricidade. Isso significa que não têm acesso à saúde e à educação. São pessoas às quais todo tipo de direito humano está sendo negado. Houve 300 mil mortes no ano passado relacionadas às mudanças climáticas.
E não me surpreende. As pessoas estão morrendo na Etiópia e no Quênia por conta da desertificação. Vi gente atingida na Libéria, em Cape Town, nos mais diversos lugares as pessoas relatam mudanças. Está tudo mudando, tornando o nosso estilo de vida atual impraticável.
Essa é a imagem do aquecimento global para a senhora? ROBINSON Os ícones tradicionais do aquecimento global, como as geleiras derretendo e os ursos polares se equilibrando numa placa de gelo são muito importantes. Mas acho que a imagem do aquecimento é a de um agricultor sem ter o que comer, a de uma mulher indígena que vê toda a sua forma de viver ameaçada.
A senhora acredita que a questão dos direitos humanos está sendo devidamente levada em conta? ROBINSON: Acho que não. Os negociadores tendem a querer ¿não complicar¿, a querer se fixar em números e estatísticas. Temos que manter a pressão e mostrar o problema humano.
Eu conheço a ciência, eu sei da ameaça às geleiras e aos ursos, mas a questão humana não pode ficar de fora.
Como a senhora vê a questão de Tuvalu, que luta na reunião para que o limite máximo de aumento da temperatura seja mantido em 1,5 grau Celsius, evitando assim, o seu próprio desaparecimento? ROBINSON: Sou muito simpática à causa de Tuvalu e das pequenas nações insulares. Não se trata apenas do problema de deslocar toda uma população para um outro lugar. Trata-se de deixar a terra onde estão os seus antepassados, a sua cultura. (R.J.)