Título: Cidadania e loucura : pedra devastadora
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 31/05/2009, Brasil, p. 12

Avanço do crack inclusive entre crianças, lota redes pública de saúde mental. Instituições não conseguem dar conta de tamanha avalanche de casos. Fragilidade do sistema impede soluções Uma das maiores pedras no caminho da reforma psiquiátrica brasileira é a mistura de cocaína com substâncias altamente tóxicas. O crack, que leva 15 segundos para chegar ao cérebro e provocar reações pelo corpo todo, transformou-se num desafio gigantesco para a rede pública de saúde mental. Pipocam, cada vez com mais intensidade, casos de crianças e adolescentes, usuários preferenciais da droga, em unidades de atendimento. A rede que deveria dar conta desse tipo de demanda, entretanto, permanece longe do ideal. Há, no país, 186 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) especializados em dependência química, enquanto a meta traçada pelo governo federal, já para 2010, fica em 350. No caso da infância, a situação é ainda mais crítica.

Os 101 Caps existentes no Brasil destinados a cuidar de pessoas de até 17 anos não têm estrutura para atender essa população ¿ no total, de quase 60 milhões de crianças e adolescentes. Mesmo em clínicas psiquiátricas que, diferentemente dos centros de atenção psicossocial, trabalham com a internação para desintoxicar, os pequenos são ignorados. ¿Somos a única unidade do SUS que atende, na saúde mental, meninos e meninas de 6 a 12 anos no Rio Grande do Sul¿ , lamenta Gilberto Brofman, diretor do Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre. A incidência de dependentes de crack nos 10 leitos da unidade infantil da instituição é da ordem de 50%. Na ala dos adolescentes, chega a 90% o número de viciados na pedra.

No caso dos adultos, a fragilidade da rede é semelhante. ¿Os próprios Caps encaminham para nós. Na ala de pacientes agudos, onde deveria ter mais esquizofrênicos, 50% dos internos hoje estão por drogas, principalmente o crack¿, afirma Elieuza Bacelar, diretora do Hospital Especializado Lopes Rodrigues, em Feira de Santana (BA). Depois de vencer primeiro a própria resistência, Fernando* precisou batalhar uma vaga entre 30 leitos destinados a dependentes químicos do São Pedro, na capital gaúcha. ¿Fumei tudo que eu podia, até minhas roupas¿, diz o jovem de 28 anos, atualmente em tratamento.

Na Região Sul, 1,1% da população usou crack, ao menos uma vez na vida ¿ percentual maior que a média nacional, de 0,7%. Os dados são do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid). Secretário estadual de Saúde do Rio Grande do Sul, Osmar Terra classifica o problema como uma chaga social. ¿Não tem gripe suína, dengue, malária. Absolutamente nada, nos dias de hoje, é mais grave que a epidemia do crack¿, diz. Nos planos de Terra, está o credenciamento de 600 leitos em hospitais gerais no estado específicos para o atendimento aos usuários da droga. Além disso, agentes do programa Saúde da Família já passaram por capacitação para verificar sinais de uso de crack durante as visit