Título: Vitrine do futuro
Autor: Alencar, Chico
Fonte: O Globo, 12/12/2009, Opinião, p. 7

Para além das esperanças e frustrações que Conferências Mundiais sobre clima possam gerar, há atitudes de vida que medem os rumos que a civilização, ainda que cada vez mais padronizada, tende a tomar. Tratase de sustentar ou contestar políticas globais também com posturas cotidianas e pessoais, mas nem por isso menos políticas. Por compreender, desde Montesquieu, que a ¿virtude cidadã¿ precede e embasa a boa lei. Que o macro começa no micro.

Por coerência e para nossa sobrevivência como espécie dotada de razão e movida a paixão.

Somos carne e espírito, barro e luz. Somos capazes de superação, perseguimos transcendência, aspiramos eternidades. Espiritualidade só existe praticada: é espiritualizarse.

É questionamento diário do aparente sem-sentido do mundo. É a não aceitação da existência como efêmera trajetória, destinada ao nada, que por isso deve ser usufruída imediata e sofregamente. É a negação do fundamentalismo de mercado que o sistema que tudo ¿coisifica¿ tenta absolutizar, oferecendo na vitrine, como objeto de consumo, nossos desejos de beleza e harmonia.

Assim como educar é ensinar a olhar para fora e para dentro, espir i t u a l i z a r s e é do t a rm o n o s d e grandeza, de atenção, daquilo que nos faz sentir que a vida vale a pena ser vivida: o amor, o sentimento solidár i o d e p e r t e n ç a , o compromisso de deixar o mundo melhor do que quando nele chegamos.

E c o l o g i a é d e c o rrência: percepção da trajetória da nossa cas a c o m u m , a Te r r a , nesse pluriverso de galáxias em expansão, e do maravilhoso fenômeno da articulação de elementos biológicos, físicos e químicos que, há treze bilhões de anos, produz a energia da vida, da qual somos parte, complexa e frágil. Sinergia vital que tantas vezes tentamos subjugar, produzindo, em nome do ¿progresso¿, esgotamento, superaquecimento e insustentabilidade.

Leonardo Boff, com sabedoria profética, lembra que ¿ingressamos numa nova era, a ecozóica¿: ou sobreviveremos, com uma mudança radical do nosso modo de ser, de produzir, de consumir, de conviver ¿ metanoia, conversão ¿ ou pereceremos todos, aterrados por lixo, intoxicados por gases, degradados pelo veneno que nós mesmos, na Torre de Babel do ¿crescimentismo¿, construímos.

Ecologia é atitude: reação contrária à onda de necessidades artificiais a que somos induzidos, perdida a fronteira do supérfluo. Resgatar nossa dimensão espiritual e ecológica é contestar a lógica do efêmero, da ¿novidade¿ que consola, do videocapitalismo, demiurgo do ¿homo consumericus¿: não penso, não existo, só assisto. E clico, deleto, ensaco, poluo e me endivido. E logo me desfaço, pois há novas demandas ¿ que nem sei se tenho...

Ser ecológico é negar a cultura da vaidade a serviço da felicidade privada. É ser arauto do realismo utópico, do inédito viável: reavaliar, reeducar, reestruturar, reciclar, reduzir, redistribuir, redemocratizar.

Viver mais simplesmente, para que simplesmente todos possam viver.

CHICO ALENCAR é deputado federal (PSOL/RJ).