Título: Guerra de informação
Autor: Berlinck, Deborah ; Jansen, Roberta
Fonte: O Globo, 09/12/2009, Ciencia, p. 33

Vazamento de documentos revela divergências entre países ricos e emergentes

COPENHAGUE Um racha Norte-Sul, entre países ricos e em desenvolvimento, se instalou ontem, no segundo dia da Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-15), em Copenhague, pondo em risco o sucesso de uma reunião que já começou cheia de desacordos.

Dois documentos vazados ontem na cúpula ¿ um escrito pela Dinamarca, em nome de um grupo de países ricos; e outro elaborado por China, Brasil, Índia e África do Sul ¿ mostram duas visões radicalmente opostas: um enterra o Protocolo de Kioto, divide os países pobres e enfraquece o papel da ONU; enquanto o outro insiste que só será possível um acordo em Copenhague com base em Kioto e na Convenção do Clima, de 1992.

O vazamento dos dois textos no mesmo dia revela a disposição dos dois blocos de travar uma guerra de informação por meio da imprensa e das ONGs como mecanismo de pressão. O documento dinamarquês, divulgado pelo jornal inglês ¿The Guardian¿, privilegia os ricos, ao levar os países em desenvolvimento a assumirem metas de redução de emissões de gases do efeito estufa que não são previstos pela Convenção do Clima e Kioto.

¿ Tanto quanto pude examiná-lo, há muitas lacunas. Não é suficientemente incisivo (o texto) no financiamento e é exigente na mitigação ¿ disse o embaixador extraordinário para Mudanças Climáticas no Brasil, Sergio Serra, sobre o texto dinamarquês.

Já o diretor do grupo do G-77 ¿ que reúne os países em desenvolvimento ¿ Lumumba Stanislaus Di-Aping, foi menos diplomático: ¿ O mais grave do texto dinamarquês é que ele destrói a Convenção.

Nações pobres preparam uma terceira proposta

A batalha de esboços começou na semana passada, quando o governo dinamarquês ¿ que quer, a qualquer preço, que Copenhague dê certo ¿ apresentou um texto a um grupo de países, entre eles o Brasil.

¿ Houve uma discussão intensa ¿ contou Serra. ¿ O entendimento, na ocasião, foi que o documento estava atropelando as negociações.

A reação foi tão grande que, segundo Serra, os dinamarqueses resolveram retirar o documento de circulação. Mas o estrago já estava feito. Em reação ao movimento dos países ricos, China, Brasil, Índia e África do Sul apresentaram um outro texto, obtido pelo GLOBO, que apresenta uma visão oposta.

O texto, de nove páginas, reafirma o Protocolo de Kioto, ampliando as metas de redução de emissões dos países ricos depois de 2012, cria um Fundo Global do Clima e um mecanismo para transferência de tecnologia pelos países ricos. O texto reafirma o que foi definido na reunião de Bali, há dois anos, que os países em desenvolvimento devem ter metas voluntárias de redução da curva de crescimento de suas emissões.

¿ O documento coloca uma outra visão na mesa ¿ constatou Serra. ¿ Devo dizer que ele foi preparado quando já se sabia do outro texto. É um contraponto.

Para Serra, nenhum dos dois documentos ¿ tanto o dos emergentes quanto o dos ricos ¿ vai sair vitorioso: ¿ Aposto num documento (de um possível acordo) que emane das negociações em curso, que seja ambicioso, mas equilibrado.

Os chineses esnobaram o texto da Dinamarca.

O chefe das negociações da China, Su Wei, criticou as propostas da UE e dos EUA.

Segundo ele, o que os ricos estão oferecendo, se fosse dividido por cada cidadão do mundo, daria US$ 2 per capita: ¿ Com US$ 2, eu não compro nem um café na Dinamarca.

Artur Runge-Metzger, coordenador-chefe da Comissão Europeia, cobrou da China metas mais significativas de redução. Entre os países em desenvolvimento, já surgem também sinais de divisão. Um terceiro rascunho de documento vazado ontem foi elaborado pelo grupo de países mais vulneráveis às mudanças climáticas, como as nações insulares do Oceano Pacífico.

Para Lumumba, a iniciativa dos países insulares é compreensível, mas não configura um racha na posição do G-77, que, segundo ele, ficará unido até o fim.