Título: A desigualdade nos juros do cartão de credito
Autor: Frisch, Felipe
Fonte: O Globo, 11/01/2010, Economia, p. 22
Bancos cobram taxa menor de clientes dos segmentos de alta renda, enquanto no varejo chega a 14% ao mês
instituições usam taxas baixas para estimular clientes com mais recursos a entrar no rotativo
Quem usa cartão de crédito no Brasil e já teve a infelicidade de cair no crédito rotativo (aquele a que se está sujeito quando se paga o mínimo da fatura ou quando ela é paga em atraso) sabe como as taxas de juros de cerca de 13% ao mês fazem mal ao bolso. O que pouca gente se dá conta é da desigualdade das tabelas de juros dos bancos, de acordo com a renda do cliente. Quem tem conta corrente em algum dos segmentos de alta renda (Personnalité, Uniclass, Prime, Van Gogh e Premier) e que, portanto, tem mais saldo, paga taxas bem menores no cartão do que a massa de correntistas do varejo comum dessas mesmas instituições.
Levantamento do GLOBO nos bancos do país com agências especiais para a alta renda (Itaú Unibanco, Bradesco, Santander Real, HSBC e Banco do Brasil) mostra que, enquanto os clientes do varejo chegam a pagar taxas de juros na casa dos 14% ao mês, os clientes dos segmentos especiais contam com taxas mensais inferiores a 10%. Para quem opta pelos parcelamentos da fatura hoje oferecidos pela maioria dos bancos, as taxas caem da faixa de 10% ao mês no varejo, para cerca de 6% na alta renda.
Um caso que chama atenção é o do Itaú. Um mesmo cliente com um cartão Itaucard Visa Gold e um cartão Visa Personnalité paga juros de 12,92% no primeiro e de 9,90% no segundo. Procurado, o Itaú Unibanco não comentou a diferença, nem enviou as taxas praticadas pela instituição nos diferentes segmentos. Informou apenas que cobra um juro mínimo de 3,9% ao mês.
¿ É um ciclo de falta de crédito que não privilegia as classes de baixa renda. O indivíduo das classes mais baixas não consegue ter acesso ao crédito porque os juros são altos. E quanto menos crédito ele tem, menos crédito ele vai ter, e menos condições para sair do vermelho ¿ avalia Christian Travassos, economista da Fecomércio-RJ.
Pagar boletos no cartão custa 1,99% do valor
Outra tentação com que os titulares de cartão de crédito devem tomar cuidado nesse começo de ano é o pagamento de contas em boleto (como luz, gás, telefone, mensalidade escolar e condomínio) com o cartão, sob o argumento de ganhar até 40 dias para pagar, o que hoje quase todos os cartões oferecem. Mas esse serviço é cobrado e, em geral, custa 1,99% fixo do valor do boleto pago.
¿ Você está pagando uma taxa que pode não ser necessária se a pessoa se organizar. Dois por cento é dinheiro, mesmo que sejam R$2. No fim do ano, isso pode dar muito dinheiro. Não é nos grandes gastos que a gente perde o controle, é nos pequenos. Se for usar este serviço, que seja para uma emergência ¿ diz Myriam Lund, lembrando que uma aplicação financeira conservadora, como um fundo DI ou poupança, paga 0,5% ao mês.
Um argumento comum dos bancos para os juros altos é a alta inadimplência. No entanto, uma pesquisa realizada em dezembro pela Fecomércio-RJ e pelo Instituto Ipsos com mil pessoas em 70 cidades mostra que, nas classes A, B e C, o percentual dos financiamentos atrasados com cartão de crédito é o mesmo, de 20%. Já nas classes D e E, o cartão tem peso de 19% na inadimplência, menor, portanto. Mas, de fato, o percentual dos que declararam ter contas atrasadas é maior entre os mais pobres: é de 16% nas classes D e E, de 15% na C e de 11% nas A e B.
¿ Mas não é uma diferença tão elevada, se considerarmos as diferenças entre as classes e a margem de erro da pesquisa ¿ pondera Travassos.
Alessandro Gianeli, advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), diz que o tratamento diferenciado de preços, no caso os juros, é inconstitucional, e que o consumidor que se sentir lesado pode acionar judicialmente os bancos.
¿ Isso é afrontoso ao princípio da isonomia, não tem justificativa. Existe uma avaliação de risco. Por que eles oferecem crédito a um segmento se ele é considerado de alto risco? Não deveriam nem aceitar ¿ diz.
A exceção no levantamento entre as instituições financeiras ficou por conta do Banco do Brasil (BB), que não cobra juros diferentes entre os clientes da rede e os do BB Estilo.
¿ A taxa é sempre definida com base no relacionamento do cliente com o banco ¿ diz Denilson Molina, diretor da área de cartões do BB.
O Santander Real informou que ¿as taxas de juros dos cartões do Santander são definidas pelas características de cada produto¿ e que tem um ¿amplo portfólio de produtos¿, permitindo ao ¿cliente, de alta, média ou baixa renda, escolher o que prefere em cada momento da sua vida¿. Também procurados, HSBC e Bradesco informaram que não dispunham de porta-vozes para comentar o assunto.
Segundo economista, atraso é vantajoso para banco
Myriam Lund, professora de Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia que os bancos cobram juros mais baixos de quem tem mais dinheiro para estimular este público a usar o crédito rotativo do cartão.
¿ Quem tem mais dinheiro não costuma pegar empréstimo, sabe que os juros são altos. O bancos reduzem as taxas para estimulá-los a usarem mais. O mesmo acontece no cheque especial. Não é só porque o cliente ganha mais (e tem risco menor), mas porque ele não usa mesmo.
O economista Luís Carlos Ewald avalia que, para os bancos, se o risco do cliente for baixo, é até vantajoso que ele atrase:
¿ A renda deveria estar atrelada ao limite de crédito, e não à taxa cobrada. Quem atrasa, mas sempre paga com juros, é o melhor cliente que existe.