Título: A dor do abandono
Autor: Benevides, Carolina ; Tabak, Flávio
Fonte: O Globo, 10/01/2010, O País, p. 3

Adultos ou crianças, filhos sem pai querem saber de onde vieram Aos 8 anos, Dalva Goulart de Oliveira, hoje com 60, viu o pai pela primeira vez. Ele apareceu na porta de sua casa, em Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, e disse que ia registrá-la, mas isso nunca aconteceu.

¿ Fiquei muito feliz ao vê-lo e chamei logo de pai.

Tudo o que eu queria era o seu amor ¿ conta Dalva, que o encontrou de novo aos 14 anos e ouviu uma frase que não esquece: ¿Você acha mesmo que sou seu pai?¿ ¿ Isso me magoou. Ele sabia que era meu pai.

Cresci esbarrando com ele na rua, mas sem seu nome na certidão e me sentindo envergonhada quando precisava tirar qualquer documento, preencher qualquer ficha. Parecia que eu era filha de qualquer uma.

Há oito anos, ela tomou coragem e foi atrás de suas origens. Descobriu onde a família de seu pai morava e quis conhecê-los.

¿ Ele já tinha morrido.

Mas eu queria descobrir como era, queria ter uma foto comigo ¿ diz ela, que até hoje só sabe o primeiro nome do pai. ¿ É Luiz. Nunca tive coragem de perguntar o sobrenome.

Fiquei com medo que achassem que eu queria saber para ir à Justiça pedir dinheiro.

Irmã de Dalva por parte de mãe, Leda, de 66 anos, também não tem o nome do pai na certidão de nascimento.

¿ Ele só registrou um dos meus seis irmãos e mesmo assim porque quem ia batizá-lo bateu o pé. Minha mãe nunca cobrou ¿ diz Leda, que tem uma sobrinha que age exatamente como sua mãe. ¿ Ela tem quatro filhos e só um conseguiu ser reconhecido pelo pai.

Na família da dona de casa Roseane Maria de Lucas, de 30 anos, que vive em Pernambuco, a história também se repete. Ela cresceu sem o pai, e seu filho, de 11 anos, também nunca viu o seu: ¿ Meu pai abandonou minha mãe grávida e nunca quis saber da gente. Aos 17 anos, eu engravidei de um namorado, ele sumiu, e eu achei melhor o bebê não ter o nome dele. A diferença entre a minha história e a do meu filho é que ele adora o pai sem nunca ter visto.

Quer tanto conhecê-lo que acabei de entrar na Justiça para pedir o reconhecimento da paternidade.

Na casa de Rosângela de Melo Fonseca, em Jaboatão dos Guararapes, também foi a filha Norma Lúcia, de 12 anos, que fez pressão para conhecer o pai.

A menina cresceu sabendo que havia sido abandonada, mas volta e meia fazia perguntas e pedia para ver as fotos em que ele aparecia.

¿ Nós brigamos quando ela tinha oito dias. Ele sumiu. Fiquei com medo de brigar de novo e preferi registrá-la sem o nome dele ¿ conta Rosângela, que lembra ter se sentido mal ao ver a filha questionar por que as irmãs tinham o nome do pai e ela não. ¿ Vi que ele fazia falta. Eu até queria procurá-lo, mas faltava coragem.

Foi aí que o destino deu uma mãozinha. Em novembro de 2008, Rosângela estava num ônibus parado no sinal. Outro parou ao lado e, ao olhar o trocador, ela teve uma surpresa.

¿ Era o pai da minha filha. Trocamos telefones, eles se conheceram e ele quis reconhecê-la.

O reconhecimento, porém, ainda não foi feito. Rosângela ficou com medo de estragar o noivado do ex-namorado, esperou que ele casasse, e só em novembro de 2009 foi à Justiça pedir para não pagar a taxa de R$ 170 que alguns cartórios cobram para alterar a certidão: ¿ Para quem não queria brigar, até que entrei numa briga boa contra os cartórios que não cumprem a lei.

Presidente da Associação Pernambucana de Mães Solteiras (Apemas), Marli Márcia da Silva, que há 18 anos auxilia mães que buscam o nome do pai para seus filhos, diz que muitas mulheres vão à Justiça só quando as crianças pedem. Segundo Marli, elas não fazem isso logo que os filhos nascem porque, ao serem abandonadas, sentem que deixar o pai fora da vida da criança é uma espécie de vingança: ¿ Os homens não insistem. A mulher acha que está se vingando, mas na verdade não está pensando na criança, que cresce e sente falta do pai