Título: Em busca do nome do pai
Autor: Benevides, Carolina ; Tabak, Flávio
Fonte: O Globo, 10/01/2010, O País, p. 3

Uma a cada quatro crianças não tem dados paternos na certidão

De cada quatro crianças que nascem no Brasil, uma não tem o nome do pai na certidão de nascimento. O número está bem acima do verificado em países europeus, como a França, onde somente 2% de pessoas são obrigadas a carregar esse vácuo ¿ e muitas vezes trauma ¿ nos documentos de identificação. É o que mostram estimativas de especialistas e inspeções preliminares em cartórios realizadas pelo Conselho Nacional de Justiça, órgão responsável por fiscalizar a atuação do Poder Judiciário.

Doutora em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e autora do livro recém-lançado ¿Em Nome da Mãe. O não reconhecimento paterno no Brasil¿, Ana Liési Thurler calcula que o campo ¿nome do pai¿ está vazio para no mínimo um quinto, e no máximo um quarto dos registros de nascimento.

A socióloga cruzou dados de 183 mil certidões nos cartórios de Brasília e os comparou com pesquisas do IBGE sobre filhos fora do casamento.

De acordo com o CNJ, quase 25% das crianças não têm filiação paterna na certidão. A corregedoria do órgão está prestes a dar início, no primeiro semestre deste ano, a uma caça inusitada a pais desconhecidos, num programa nacional que está passando pelos últimos ajustes antes de sair às ruas. A ideia é usar informações do Censo Escolar dos municípios brasileiros para achar pais que fogem, pelos mais diferentes motivos, de suas obrigações.

¿ Os pais não reconhecem seus filhos porque não querem pagar pensão alimentícia. Geralmente, já não vivem mais com a mulher, não gostam dela e não têm laços afetivos com a criança.

Então, não querem dar dinheiro ¿ alerta Marli Márcia da Silva, presidente da Associação Pernambucana de Mulheres Solteiras (Apemas).

País não produz números oficiais

O Brasil não tem dados oficiais sobre o assunto. De 1984 a 1993, o IBGE produziu uma série sobre nascimentos fora do casamento. O último dado disponível aponta que, entre as crianças nascidas naquele período, 57,5% estavam nesse grupo. Ana Liési diz que hoje, duas a cada três crianças (66%) são concebidas fora do matrimônio ¿ em relações estáveis, eventuais ou casuais ¿, uma das razões para que o nome do pai não apareça na certidão de nascimento. São poucos os que conseguem recuperar a filiação paterna. No universo pesquisado pela socióloga, em média, somente 10% dessas pessoas têm sucesso.

¿ Entre 2000 e 2008 foram emitidos no país 31,2 milhões registros de nascimento, segundo dados oficiais. Se admitirmos uma incidência de 25%, significará 7,8 milhões de crianças sem reconhecimento paterno. Se adotarmos a incidência de 20%, os números serão também altos: 6,2 milhões de crianças ¿ calcula Ana Liési.

A situação das mães é oposta nos números pesquisados pela socióloga.

No DF, apenas 0,12% dos registros aparecem sem reconhecimento materno.

A responsabilidade excessiva sobre a mãe tem ainda a chancela de documentos do poder público. A Declaração de Nascidos Vivos só pede informações sobre a mãe. Não há campos sobre o pai. Para a o antropólogo Gilberto Velho, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o reconhecimento paterno é fundamental na vida em sociedade: ¿ Filho é uma aliança entre duas famílias. O filho sem o nome do pai passa a ser considerado fruto de uma aliança imperfeita