Título: O preço não pode ser o único determinante
Autor: Guimarães, Samuel Pinheiro
Fonte: O Globo, 10/01/2010, O País, p. 6

Secretário de Assuntos Estratégicos dá recado à FAB e diz que escolher novo caça não é "como comprar automóvel"

Após comemorar os 70 anos, sendo 48 dedicados ao Itamaraty, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães abriu mão de uma aposentadoria para assumir a Secretaria de Assuntos Estratégicos, foco de atritos e polêmicas na gestão de Mangabeira Unger. Conhecido pelas ideias nacionalistas e indicado pelo PRB do vice-presidente José Alencar, o novo ministro diz que o Brasil precisa ampliar seu espaço entre as grandes potências. E dá recado aos oficiais da FAB insatisfeitos com a preferência pelos caças franceses Rafale: ¿ Isso não é como comprar automóvel.

Bernardo Mello Franco

O GLOBO: A Defesa vive um impasse com a concorrência para a compra de caças. Quando Lula anunciou a preferência pelo Rafale, o presidente francês Nicolas Sarkozy defendeu a entrada do Brasil no Conselho de Segurança da ONU. Isso pesa na escolha? SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES: Tudo está interligado.

Não é só questão econômica. Envolve aspectos políticos, estratégicos.

Isso não é como comprar um automóvel. O preço não pode ser o único determinante. Você não está comparando coisas que são iguais, como dois grãos de soja, um mais barato que o outro. Só o nome é que é igual: avião. Decisões na área de defesa e soberania são decisões de governo. Não são setoriais.

l A oposição acusa o governo de inchar o Estado.

GUIMARÃES: É equívoco. Outros países têm número de servidores proporcionalmente maior. Falta muito, os índices (de contratação no setor público) são insuficientes. Há 500 municípios brasileiros sem médico. O Estado tem que atuar onde as empresas privadas não atuam `A Constituição prevê plebiscitos e referendos¿

O Plano Nacional de Direitos Humanos foi atacado por prever a realização de mais plebiscitos e referendos. O senhor defendeu a tese da democracia direta. É hora de retomar a ideia? SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES: A Constituição prevê plebiscitos e referendos. A população não pode participar diretamente do processo de elaboração das normas, por isso elege representantes.

À medida que essa representação é afetada pelo poder econômico, há distorção da vontade popular. O pleb iscito não tem nada demais.

Deveria ser mais usado? GUIMARÃES: Há hoje em dia situações extremamente difíceis de compreender. É necessário que haja maior responsabilidade dos representantes em relação aos representados: que só possam exercer mandatos pessoas que tenham recebido votos.

Isso significaria o fim dos suplentes no Senado.

GUIMARÃES: Se as pessoas estão ali para elaborar leis, é necessário que tenham passado pelo crivo eleitoral.

Em sua posse, Lula o chamou de guru do presidente Hugo Chávez e contou que ele é fã de seus livros. Como vê as acusações de que a Venezuela viveria sob restrição à liberdade de imprensa? GUIMARÃES: É uma questão sujeita a grande distorção e desinformação. Há liberdade absoluta de imprensa na Venezuela.

As pessoas dizem o que bem entendem, e com um grau de violência...

Mas o governo fechou a emissora RCTV, de oposição.

E Chávez é acusado de abusar no populismo.

GUIMARÃES: Televisões são concessões, não propriedades de pessoas. É o que dizem a Constituição e a lei.

Aliás, aqui também. Onde nós estamos? Há um altíssimo grau de desinformação, isso sim. Ter altos índices de aprovação popular é ser populista? (Risos). Quando um governante tem alta aprovação, é porque alguma coisa está fazendo pelo povo.

No último ano do governo Lula, o senhor está coordenando o Plano Brasil 2022 com metas para o bicentenário da Independência para um período que pega outros três governos. Isso terá força de lei.

GUIMARÃES: Transcende a ideia de um governo apenas.

Queremos algo de que a sociedade participe. O que o presidente pretende fazer, eu não sei. Ele dará o encaminhamento que considerar oportuno. É preciso ter ambição e audácia. O Brasil deve ter um crescimento acelerado para chegar a 2022, no mínimo, como a quinta maior potência do mundo.

Mas também é preciso que tenha reduzido de forma muito significativa as suas disparidades sociais.