Título: Vi as pessoas sendo cortadas, humilhadas
Autor: Suwwan, Leila ; Nobrega, Camila
Fonte: O Globo, 30/12/2009, O País, p. 4

Brasileiras estupradas estão sendo atendidas em hospitais da capital do Suriname; polícia não confirma mortos

BRASÍLIA e RIO. Cinco dias depois dos ataques de descendentes de quilombolas surinameses a brasileiros na cidade de Albina, o clima ainda é de tensão e medo na comunidade brasileira daquele país. A polícia do Suriname já prendeu 41 suspeitos de participar dos ataques, mas o brasileiro suspeito da morte do surinamês continua foragido.

A busca por corpos, inclusive no Rio Maroni, continua, mas não há confirmação de mortes.

De acordo com a equipe de atendimento às vítimas na capital Paramaribo, as 20 brasileiras estupradas estão traumatizadas ¿ três delas estavam grávidas e estariam em situação delicada.

¿ As mulheres estão sendo atendidas por médicos, ginecologistas e psicólogos. Algumas entraram em crise. A situação é de trauma extremo. Uma começou a quebrar tudo, está com o terror na cabeça ¿ disse o padre José Vergílio, que integra a comitê de crise e acompanha o atendimento. ¿ Temos três brasileiras que estavam grávidas.

Elas não estão bem.

Grávida de quatro meses, a paraense Carolina da Silva estava com o marido no acampamento na hora do ataque. Por telefone, contou que o casal tentou fugir ao ver os companheiros esfaqueados, mas não houve tempo. Dez ¿marrons¿, como os brasileiros chamam os quilombolas, entraram no quarto, deram uma facada no marido dela e tentaram violentá-la: ¿ Tentei esconder dinheiro na calcinha, mas levantaram meu vestido e enfiaram a mão.

Tentaram me violentar. Eram mais de dez. Consegui me trancar em um quarto com meu marido.

Mesmo com ele sangrando, ficamos lá, até pegar fogo em tudo ¿ contou ela, que está no hotel Conforto, em Paramaribo, ajudando os feridos, mas tem medo de novos ataques.

Como voltava do garimpo, uma brasileira que prefere se identificar só como Camila se escondeu na mata. Ela não esquece a imagem de mulheres e adolescentes violentadas: ¿ Vi pessoas sendo cortadas, humilhadas, mas fiquei quieta, chorando. Vi cadáveres e queremos saber onde eles estão.

Outra que está no hotel Conforto é Jane Azevedo. Ela trabalha transportando materiais de garimpo e morava em Albina há três meses. Quando chegava ao acampamento, no dia 24, ouviu gritos e se escondeu. Diz que é comum o medo de novos ataques. Ela ajuda as mulheres violentadas.

¿ Ontem fizeram exames de HIV e gravidez, mas estão morrendo de vergonha.

O pernambucano João Nascimento, que era garimpeiro em Albina e hoje vive na capital, está ajudando ex-companheiros, mas teme novos ataques: ¿ Estão revoltados, porque muita gente viu mortos no local, e o Itamaraty nega.