Título: STF altera texto do julgamento sobre Battisti
Autor: Bernardo Mello Franco
Fonte: O Globo, 17/12/2009, O País, p. 5

Eros Grau refaz voto e muda placar, abrindo brecha para que decisão a ser tomada por Lula possa ser contestada

BRASÍLIA. Numa sessão com novas cenas de bate-boca entre ministros, o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu ontem uma brecha para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva possa ser questionado caso opte por não extraditar o ex-ativista italiano Cesare Battisti. A Corte reafirmou que caberá a Lula decidir se extradita o italiano. No entanto, o STF alterou o texto que resumia o julgamento de 18 de novembro, retirando o trecho que classificava a decisão de ato discricionário ¿ ou seja, de livre arbítrio ¿ do presidente. A mudança provocou protestos, e o ministro Marco Aurélio Mello acusou o governo italiano de tentar ¿virar a mesa¿ no caso.

A polêmica foi reaberta a pedido da Itália, que alegou não ter entendido o voto do ministro Eros Grau. Apesar de ter sido um dos cinco que concederam a Lula a palavra final sobre o caso, Eros disse entender que o presidente terá que obedecer aos termos do tratado de extradição entre Brasil e Itália. A explicação deu início a um debate acalorado.

Marco Aurélio e Ayres Britto afirmaram que isso mudaria o voto do colega. Eros negou: ¿ Meu voto foi muito claro.

Disse que acompanhava a jurisprudência anterior e afirmei que o ato do presidente da República é praticado nos limites do direito constitucional. Não se trata portanto de ato discricionário, mas de ato regrado, nos termos do tratado de extradição.

Contrariado, Marco Aurélio disse que a explicação significava uma mudança de rumos no julgamento do mês passado, em que o STF concedeu a palavra final a Lula por 5 votos a 4.

¿ Estamos aqui a reabrir os votos, isso é perigosíssimo ¿ disse, acusando a Itália de tentar mudar o julgamento. ¿ O que pretende o governo (italiano) é uma virada de mesa.

Eros se irritou: ¿ O ato não é discricionário, há de ser praticado nos termos do direito constitucional. Isso está dito inúmeras vezes no meu voto. Está claro para quem não souber ler, ou para quem não queira. Isso pode me gerar grande constrangimento, pode gerar dúvida sobre a mudança ou não da minha decisão.

Marco Aurélio provocou: ¿ Que não fique alterado, ministro...

¿ Imagine se eu ficaria! ¿ rebateu Eros.

Ayres Britto perguntou o que acontecerá caso Lula ignore o tratado. Eros disse: ¿ Se ocorrer isso, nós discutiremos.

Defensor da entrega imediata de Battisti à Itália, o relator, Cezar Peluso, disse que a nova postura de Eros muda o caso: ¿ Mudar, muda. Mas isso é para ser discutido depois.

Ao fim do debate, o STF alterou o texto que resumia o julgamento do dia 18. Foi retirado o trecho que classificava a entrega de Battisti como ato discricionário do presidente. A nova versão diz apenas que o presidente não precisa obedecer à decisão do STF, que anulou o refúgio concedido pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, e aprovou a extradição de Battisti. Não há menção ao tratado.

A mudança significa que a disputa pode ter novos capítulos. O tratado Brasil-Itália, assinado em 1989, diz que os países podem negar a extradição se entenderem que o réu foi condenado por crime político ou se tiverem ¿razões ponderáveis¿ para supor que ele será submetido a ¿perseguição e discriminação¿. Tarso usou parte desses argumentos para conceder o refúgio.