Título: Em SP, protesto contra a mudança
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 15/01/2010, O País, p. 8

Manifestantes dizem que Lula favorece torturadores com novo decreto

SÃO PAULO. Manifestantes de diferentes setores da sociedade protestaram ontem contra a alteração de trechos do decreto do Programa Nacional de Direitos Humanos, num ato em frente ao prédio do escritório de representação da Presidência da República em São Paulo. O grupo reafirmou o apoio ao programa, mas criticou a retirada da expressão "repressão política" no trecho que previa a investigação de violações cometidas durante a ditadura militar. Para os manifestantes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria favorecido torturadores com a mudança.

- Lula recuou num assunto em que não se pode dar um passo sequer para trás. Se ele não cuidar bem desse anteprojeto de lei, não só pode fazer um movimento errado dentro do governo como aumentar ainda mais a sensação de impunidade, que já é grande no país - disse o vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais, Marcelo Zelic, acrescentando que o país tem a obrigação de abrir os arquivos da ditadura.

Para o diretor de Relações Internacionais da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes), Rafael Clabonde, a alteração mostra que as Forças Armadas ainda mantêm influência sobre os governos.

- É um sinal claro de que as Forças Armadas mandam até em questões culturais do país - disse ele, que participava do protesto segurando fotografias com os rostos de pessoas desaparecidas durante a ditadura, entre eles Honestino Guimarães, então presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE).

A manifestação reuniu também líderes religiosos. A diretora do Departamento de Matrizes Africanas do Primado, que é uma Organização Federativa de Umbanda e Candomblé do Brasil, Iyá Ekedji Ogunlade, lembrou a perseguição religiosa no país, e disse que qualquer apoio a "atos sombrios" pode aumentar a violência.

- Acredito que Lula está tomando decisões como presidente, e não no papel de um cidadão. Porque, se ele tivesse uma pessoa desaparecida ou torturada na família, certamente não recuaria um metro sequer para trazer a verdade à tona - disse.

Os manifestantes protocolaram ainda uma carta para ser encaminhada ao presidente. Nela, prestaram solidariedade ao ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, e criticaram a impunidade no país. "O Plano Nacional de Direitos Humanos bota o dedo na ferida de velhas mazelas da nossa sociedade (...) o revanchismo de setores civis e militares - que insistem em ocultar a verdade sobre o período da ditadura militar; a permanência da prática de tortura - e a impunidade - que livra os colarinhos brancos e condena os ladrões de margarina".