Título: Há o retorno a um estado selvagem
Autor:
Fonte: O Globo, 15/01/2010, Mundo, p. 26

A explosão de violência é o primeiro efeito da tragédia no Haiti. Segundo o pesquisador Moacyr Duarte, coordenador do Grupo de Análise de Risco e Controle de Emergência da Coppe, após o desespero inicial, a ação de grupos armados reflete o retorno a um estado em que cada um cuida de si.

Elenilce Bottari

Por que a onda de violência?

MOACYR DUARTE: Antes se acreditava que a onda de violência após catástrofes como esta fosse resultado de culturas subdesenvolvidas. Mas depois do Katrina (furacão que em 29 de agosto de 2005 devastou Nova Orleans, na Louisiana, levando a uma grande onda de violência), isso mudou. Hoje diz-se que é um fenômeno de retorno ao estado pré-organizado, selvagem, em que não há polícia, ninguém para estabelecer a ordem. Nesses momentos, as gangues passam a saquear, não existe solidariedade.

Como garantir, então, a distribuição da ajuda humanitária?

DUARTE: Terão de ser criados entrepostos de armazenamento e rotas de distribuição de medicamentos, alimentos e água para serem entregues a populações previamente identificadas, a fim de evitar saques e mais violência. Essas rotas terão que ser muito bem planejadas, com organização também dos pontos de entrega. Também há o problema da saúde pública com a propagação de doenças, que também contaminam a água.

Mas como assegurar serviços essenciais se o país entrou em colapso?

DUARTE: O restabelecimento da luz depende das linhas de combustível. A energia de Porto Príncipe provém de termelétricas. O mais grave é o suprimento de água. Terá que ser feito estoque e deverá haver distribuição de pastilhas de cloro. Também caberá às forças de paz o restabelecimento das comunicações, fundamentais neste momento.

Qual o exemplo mais próximo à tragédia do Haiti?

DUARTE: O terremoto do Paquistão (de 8 de outubro de 2005, que matou mais de 70 mil pessoas) também atingiu uma área muito pobre, mas o problema do Haiti é que toda a estrutura, os prédios de governo, hospitais... tudo se concentra em Porto Príncipe. E o epicentro foi justamente lá, o que debilitou profundamente o país. Será um difícil processo de reconstrução, foi um golpe duríssimo.