Título: Não lembro a última vez em que comi
Autor:
Fonte: O Globo, 15/01/2010, Mundo, p. 26

O comandante da Unidade k-9 da Missão da ONU para a Estabilização do Haiti, Ricardo Couto, está no país há menos de um mês e participa da que deve ser a mais difícil missão de sua carreira: o resgate das vítimas do terremoto.

Luciani Gomes

Três dias após o terremoto, como está a situação?

RICARDO COUTO: Passado o choque inicial, o Haiti agora está em um momento emergencial, pós-catástrofe. A região próxima ao centro está completamente abalada. As estruturas estão todas realmente em péssimo estado. E a infraestrutura de saúde, que já não era muito boa, agora está pior ainda, já que muitos hospitais caíram.

Qual a principal dificuldade neste momento?

COUTO: O grande problema é que todos os estabelecimentos comerciais que existiam aqui, se não desabaram, fecharam suas portas com medo de saques. O estado é crítico porque falta o básico. As pessoas estão sem saber o que fazer, dormindo nas ruas e sem casa, comida e água. Eu já estou há quase três dias sem dormir e não lembro quando foi a última vez que me alimentei.

Como estão as buscas?

COUTO: Está muito difícil, principalmente quando nos deparamos com algum conhecido. Temos que colocar a razão em cima da emoção e seguir em frente. Mas mantemos sempre a esperança de que vamos encontrar sobreviventes. No primeiro dia tive a sorte de encontrar nos escombros do prédio da Minustah um tenente-coronel nosso, a três metros de profundidade.

Qual a expectativa para os próximos dias?

COUTO: Continuar o trabalho incansável e incessantemente. A nossa única previsão é de trabalho, muito trabalho de manhã, à tarde, à noite e de madrugada. Não podemos parar.