Título: Brasil planeja ações para tirar Haiti do caos
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Fonte: O Globo, 15/01/2010, Mundo, p. 26

Enterro de corpos é uma das prioridades; brasileiro que representava a ONU deve estar morto, PORTO PRÍNCIPE. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, reuniu-se ontem com o presidente do Haiti, René Preval, para estabelecer as ações prioritárias para tirar o país do caos em que se encontra, depois do tremor de 7 graus na escala Richter que destruiu boa parte da capital, Porto Príncipe (que possui cerca de três milhões de moradores). O ministro anunciou cinco ações, sendo as duas principais a decisão, avalizada por Preval, de escolher um terreno para o enterro imediato dos corpos, mesmo sem identificação; e a montagem pelo Brasil, já a partir de hoje de manhã, de um hospital de campanha com capacidade de atendimento de 400 pessoas e até 20 internamentos.

Jobim admitiu que o governo brasileiro já considera morto a maior autoridade civil brasileira no Haiti, o vice-secretário da ONU Luiz Carlos da Costa. Ele estava no Hotel Cristopher, que era usado como principal escritório das Nações Unidas no país e praticamente virou pó.

O ministro afirmou também que, dificilmente, os quatro militares brasileiros ainda considerados desaparecidos serão encontrados vivos. Segundo o porta-voz do efetivo militar brasileiro no Haiti, coronel Alan Sampaio, 14 soldados brasileiros morreram no terremoto do Haiti. Com esses quatro, a contagem final subirá para 18 militares mortos. Os corpos desses soldados devem ser transportados para o Brasil hoje ou amanhã, já que sua liberação precisa de autorização e documentação das Nações Unidas.

Aeronáutica envia hospital

Segundo Jobim, três aviões Hércules da FAB seriam enviados ontem à noite a Porto Príncipe, um com o hospital (de mil metros quadrados) equipado, capaz de ser erguido em apenas seis horas; e outro com uma equipe de 60 profissionais da área de saúde, entre médicos e enfermeiros, e engenheiros para a montagem do prédio. Trata-se do mesmo hospital de campanha montado pela Força Aérea Brasileira (FAB) no Rio no esforço de combate à dengue, em 2008. Outro avião seguiu do Brasil com 50 bombeiros e cães farejadores, destinados a ajudar nos trabalhos de resgate de corpos nos escombros.

A terceira frente a ser tocada pela Companhia de Engenharia do Exército brasileiro será a elaboração de uma estratégia de remoção dos destroços, diante da falta de escavadeiras, guindastes e tratores no Haiti. A construtora baiana OAS, que está construindo uma estrada no Haiti, se comprometeu a emprestar material pesado para os trabalhos. Mais material está vindo por terra da República Dominicana; outros equipamentos chegaram ontem (e continuam a chegar hoje) dos Estados Unidos e União Europeia.

- Não estamos medindo esforços para ajudar o Haiti e essa é a orientação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva - disse Jobim. - Gastaremos o que for necessário.

Em outras frentes de ação no Haiti, o Brasil vai reforçar o patrulhamento, para garantir a segurança diante de uma cidade onde falta praticamente tudo. E montará a logística para distribuição dos mantimentos e doações que começam a chegar no aeroporto internacional de Porto Príncipe. O aeroporto funciona parcialmente, recebendo aviões oficiais e pequenos voos fretados. No entanto, segundo o presidente René Preval, o local deve reiniciar suas atividades comerciais a partir de hoje, o que significa que os voos internacionais para Porto Príncipe devem ser retomados pelas principais companhias.

Apesar da tragédia, há momentos para pequenos milagres. Num fato inédito na história da participação brasileira na reconstrução do Haiti, os militares da base brasileira General Bacelar realizaram nos últimos dois dias dois partos. Tanto as crianças quanto as mães passam bem.

Epidemias são nova ameaça

As autoridades brasileiras decidiram que uma das prioridades é o enterro dos corpos porque há uma grande preocupação com o risco de epidemias. Surgiram notícias de que algumas pessoas enterraram seus parentes à beira de córregos. Isso poderá causar mais problemas quando chover, uma vez que as covas são rasas e os corpos podem voltar a ficar expostos.

Outro obstáculo a ser superado é cultural: os adeptos do vodu - muito praticado no país caribenho - não aceitam que seus mortos sejam tocados antes da realização de rituais. Com a ajuda do equipamento fornecido pela construtora brasileira, o Batalhão de Engenharia do Exército trabalhar para liberar as vias. Dessa maneira, carros de socorro e outros equipamentos poderão transitar.

Na questão de atendimento médico, há um colapso, uma vez que hospitais foram destruídos e não há médicos nem equipamentos suficientes. Em frente ao batalhão brasileiro há um acampamento de pessoas que buscam socorro. Um hospital improvisado, numa garagem, foi montado para atender os mais graves.

Ontem, o Ministério da Saúde informou que enviará 20 kits de medicamentos e insumos, num total de 258 mil unidades de diversos produtos, suficientes para atendimento de 10 mil pessoas durante três meses.

Outras carências urgentes são as de mantimentos e água potável - um flagelo que, mesmo antes do terremoto, já castigava o Haiti. Ontem, o Brasil e outros países começaram a enviar mantimentos. O Exército brasileiro procura agora um lugar seguro para armazenar as doações.

COLABORARAM: Chico de Gois e Catarina Alencastro