Título: Lula quer adotar o Haiti
Autor:
Fonte: O Globo, 15/01/2010, Mundo, p. 26

BRASÍLIA. O Palácio do Planalto já considera inevitável uma crise política no Haiti com o desaparecimento de qualquer condição de governabilidade naquele país. A situação preocupa o governo brasileiro e já foi avaliada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A constatação no núcleo do governo é que a destruição completa da infraestrutura haitiana, que já era sofrível, pode pôr em risco a tentativa de estabilizar politicamente o país, afetando ainda mais a sua frágil democracia. Por isso, além da ajuda emergencial, o presidente determinou que o Brasil elabore uma estratégia para ajudar o Haiti a médio e longo prazos.

Em vez de um afastamento gradativo por causa da tragédia, a ordem de Lula é para que o país adote o Haiti de forma definitiva. O presidente Lula informou que vai aguardar a volta do ministro da Defesa, Nelson Jobim, que está em Porto Príncipe, para decidir qual estratégia será adotada para ajudar os haitianos. Num primeiro momento, Lula quer ampliar a presença brasileira no país destruído pelo terremoto.

Um interlocutor do presidente Lula acrescentou que a missão do Brasil no Haiti é respeitada pela população local. O próprio Lula costuma ressaltar a estratégia acertada de conquistar a confiança dos haitianos, quando, em 2004, levou para o país a seleção brasileira de futebol para jogar uma partida amistosa contra jogadores do Haiti. O evento ficou conhecido como "diplomacia do futebol".

Neste momento, o temor é de que a tragédia da última terça-feira possa ter consequências políticas imediatas, como o provável adiamento das eleições parlamentares, que estavam previstas para acontecer no próximo mês. Não há condições materiais para realizar o pleito. Também há preocupação em relação ao grau de dificuldade para realizar a eleição presidencial prevista para ocorrer em novembro.

O terremoto desta semana destruiu o Palácio Presidencial, o Parlamento e outros prédios públicos. O atual presidente do país, René Préval, terá dificuldade de estabilizar politicamente o Haiti em meio ao caos generalizado, observou ontem outro assessor do governo brasileiro. No Palácio do Planalto, há forte apreensão com a possibilidade de que a milícia originária do antigo Exército do Haiti possa se aproveitar da situação de caos para desestabilizar o governo de Préval.

Por isso, o Itamaraty vai se empenhar na articulação com as Nações Unidas e outros países para ampliar imediatamente a presença internacional no Haiti. A constatação em Brasília é a de que, numa situação de normalidade, já haveria forte tendência para golpes e conspirações. Dos 42 chefes de Estado do Haiti, 30 foram assassinados ou depostos. Por isso, o temor de que a democracia haitiana corre sério risco com a rápida deterioração material do país, desencadeada pela tragédia desta semana.