Título: Seguro do trabalho divide governo
Autor: Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 19/12/2009, Economia, p. 31

Empresas dizem que regras da Previdência para acidentes elevam encargos em até 200%

Os grandes empresários travam nos bastidores do governo uma batalha contra as novas regras do seguro de acidente do trabalho ¿ que entram em vigor em 1ode janeiro. Eles alegam que a regulamentação, em discussão há mais de dois anos, aumenta em até 200% os encargos sobre a folha de pagamento. Na reta final, os pesos pesados da economia conseguiram importante vitória ao colocar em flancos opostos o Ministério da Previdência (autor das regras) e as pastas da Fazenda e do Desenvolvimento, que têm a Casa Civil como aliada. A briga será arbitrada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O empresariado propõe o adiamento das medidas e a abertura de negociações, a fim de se encontrar uma fórmula menos onerosa. Na próxima semana, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) ¿ que lidera a disputa em nome da classe empresarial ¿ enviará cartas a Lula e à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

De maneira reservada, o empresariado lembra que o aumento dos custos vai estourar em fevereiro, podendo trazer desgastes no início da campanha eleitoral ¿ o PT, por exemplo, deverá aclamar Dilma candidata nesse mês.

Enquanto a Previdência continua inflexível às queixas dos empresários, a Fazenda busca uma alternativa, sensível ao chororô de que as medidas vão aumentar a carga tributária e reduzir a competitividade nacional. O assunto foi levado ao ministro Guido Mantega.

¿ A Fazenda está muito desconfortável com as informações que chegam das empresas. Não discordamos da filosofia das novas regras, que é beneficiar quem investe e punir quem contribui para o aumento dos acidentes.

Mas vemos problemas na fórmula encontrada, e parece que o efeito vai no sentido contrário ¿ disse uma alta da fonte da equipe econômica.

¿ A fórmula é clara. Quem oferece mais risco e tem maior número de acidentes tem que pagar mais mesmo.

Estão chiando as empresas que mais têm registros de acidente ¿ rebateu o porta-voz do Ministério da Previdência para o tema, Remígio Todeschini

Custo de montadora vai a R$ 35 milhões

Além de reenquadrar as empresas com alíquotas que variam entre 1%, 2% e 3% sobre a folha ¿ conforme o risco da atividade e com base nos acidentes e doenças ocupacionais registrados em 2007 e 2008 ¿, a Previdência arbitrou um valor para cada empresa. Este leva em conta a média do setor e o desempenho da firma: se ficou acima da média setorial de frequência de acidentes, gravidade e custo para o INSS, será punida com alíquota maior. Se ficou abaixo, receberá um bônus.

Aplicada a fórmula, foram reclassificados 1.301 subsetores econômicos e, segundo os empresários, 67% foram alçados a uma alíquota maior. Desse total, 383 foram majorados em 50%; 247, em 100%; e 236, em 200%.

As empresas não querem revelar seus nomes, mas a articulação contra as regras conta com o apoio das gigantes de cada setor. Uma grande companhia de informática, que pagava à Previdência R$ 2 milhões ao ano, passará a recolher R$ 9 milhões. Outro exemplo é uma montadora, que desembolsava R$ 20 milhões e terá de arcar com R$ 35 milhões.

Agência matrimonial e casa de chá: risco

As redes de comércio de material de construção terão elevação de 5% nos encargos sobre a folha, segundo dados da Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (Anamaco). A alíquota do segmento subiu de 1% para 3%.

¿ Não justifica o risco, sobretudo nas grandes redes, onde o cliente vai na gôndola e leva o produto para pagar. A consequência é a alta da carga tributária ¿ disse o diretor jurídico da Anamaco, Roberto Ordine.

O diretor do Núcleo de Relações do Trabalho da Fiesp, Adauto Duarte, reclama que o governo incluiu no grau de risco mais elevado empresas como lojas de flores naturais, casas de suco, de chá, lanchonetes, estacionamentos, agências matrimoniais, cultivo de maçã e banana, entre outros. Ele afirma que faltou transparência do ministério e que não existe uma lei que defina o que é risco leve, médio e grave.

Representantes do setor produtivo se queixam ainda de que participaram apenas da elaboração dos princípios gerais, sem acesso ao banco de dados da Previdência. Eles alegam que somente há cerca de dez dias a pasta respondeu um questionário com as dúvidas sobre a bonificação e a penalização.

Denunciam ainda que tiveram de comprar, por R$ 45, um livro lançado por Todeschini sobre o tema.

Para o superintendente de Relações do Trabalho da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Magnus Apostólico, a fórmula da Previdência pune os grandes empregadores, numa intenção de aumentar a arrecadação. Os empresários criticam que recaem nas costas das empresas afastamentos inferiores a 15 dias, além de acidentes de trajeto. E não querem pagar por doenças acometidas a ex-funcionários.

Todeschini rebate, alegando que o objetivo é ter uma cultura de prevenção de acidentes. Ele vê com naturalidade o lançamento do livro: ¿ Se é para acrescentar, tudo bem.

Na briga, a Previdência tem o apoio das centrais sindicais e do Ministério Público do Trabalho.

¿ Evitar acidentes é uma obrigação das empresas ¿ disse o procurador do Trabalho Alessandro Santos de Miranda, coordenador nacional de defesa do Meio Ambiente do Trabalho.