Título: Fracasso e decepção
Autor:
Fonte: O Globo, 19/12/2009, Ciencia, p. 39

Líderes mundiais deixam Copenhague sem conseguir acordo forte para o clima

Chico de Goes, Deborah Berlinck e Roberta Jansen Enviados especiais ¿ COPENHAGUE

Depois de 12 dias de negociações, a maior conferência já organizada pela ONU para combater mudanças climáticas resultou numa proposta de documento político sem força legal, que empurra para 2010 decisões fundamentais que cientistas dizem ser necessárias para salvar o planeta. O documento que deverá ser assinado pelos representantes de 193 países que foram a Copenhague não preve metas de redução de emissões globais nem especifica os compromissos dos países ricos ou em desenvolvimento.

E as promessas de dinheiro ¿ anunciadas com grande pompa no dia anterior ¿ ficaram diluídas num texto sem força legal.

¿ Este acordo vai colocar os países em desenvolvimento num ciclo de pobreza para sempre ¿ lamentou Lumumba Stanislaus DiAping, presidente do G-77, que reúne os países em desenvolvimento.

À 1h30m da madrugada de hoje em Copenhague (22h30m em Brasília), os 193 países que participam da conferência ainda não haviam sido convocados no plenário, para decidir se aceitavam ou rejeitavam o acordo. Mas vários países anunciaram que vão rejeitar o documento. O Brasil também saiu insatisfeito, porém iria apoiar o documento: ¿ O Brasil não está satisfeito com este acordo, ninguém está contente ¿ afirmou o embaixador para mudanças climáticas, Sérgio Serra. ¿ A falta de metas é lamentável.

Os chefes de Estado e de governo, entre eles o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, começaram a deixar Copenhague antes mesmo de uma decisão final. Não houve sequer foto oficial da conferência.

O presidente americano Barack Obama saiu para o aeroporto depois de anunciar que o acordo era ¿insuficiente¿.

A ministra da Casa Civil e chefe da delegação brasileira, Dilma Rousseff, e o negociador-chefe do Brasil, Luiz Alberto Figueiredo, abandonaram a reunião sem dar declarações

Documento não prevê metas legais

Sob o título de ¿Acordo de Copenhague¿, o documento cita o limite de aumento de temperatura de 2 graus Celsius até o fim do século, mas não apresenta meta alguma para que isso ocorra, nem mesmo o compromisso protocolar de, até 2050, limitar as emissões a 50% do nível de 1990. O documento cita metas apresentadas voluntariamente pelos países, como a redução de 20% da União Europeia e de 17% dos Estados Unidos.

O texto cita a decisão previamente anunciada pelos países desenvolvidos de transferir US$ 30 bilhões de dólares até 2012 para as nações em desenvolvimento e, ainda, a criação de um fundo de US$ 100 bilhões ao ano a partir de 2020.

¿ Foi um fracasso, muito decepcionante mesmo ¿ resumiu Suzana Kahn, secretária de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente. ¿ Tudo que vinha sendo negociado desde Bali (a última conferência do clima, em 2007), como trazer os EUA para um acordo legalmente vinculante, bem como os emergentes, ficou de fora.

Yvo de Boer, secretário-geral da Convenção de Clima da ONU, lamentou o rumo das negociações.

¿ Deveríamos ter conseguido mais ¿ afirmou.

O primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown, se limitou a dizer que a conferência marcou o começo de uma negociação maior, que deverá levar a um documento com valor de lei. A chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel, tentou amenizar o fracasso, afirmando que Copenhague deu um passo importante, mas que serão necessários muitos outros.

O presidente da França, Nicolas Sarkozy, afirmou que o texto não era perfeito: ¿ Não tem compromissos. Um contrato é absolutamente vital.

O acordo foi costurado numa reunião entre o presidente americano e os líderes dos quatro emergentes do Basic (Brasil, China, Índia e África do Sul). Mas precisa ser sido aprovado pelos 193 países em plenário. Nada disso aconteceu até o início da madrugada de hoje.

¿ Obama saiu da reunião dizendo que ia falar com os europeus, não sei o que houve ¿ contou o embaixador para Mudanças Climáticas do Brasil, Sérgio Serra.

Os principais negociadores brasileiros foram embora logo após o encontro, juntamente com Lula e Dilma.

Apenas o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, ficou negociando até mais tarde. Minc acusou os Estados Unidos pelo fracasso do acordo:.

¿ Os EUA foram o principal entrave desta conferência ¿ acrescentando que o acordo foi ¿muito inferior ao que esperávamos¿.

A avaliação entre diferentes delegações no Bella Center era de que a China havia cedido um pouco, ao aceitar, parcialmente, a verificação internacional de suas metas de redução de emissões. A postura do Brasil também foi avaliada positivamente, por seu esforço político, principalmente na questão do financiamento aos países pobres. Porém, a posição de EUA, e também da Índia, foi irredutível.

Organizações não-governamentais estavam furiosas.

¿ A cidade de Copenhague foi transformada em cena de crime, com os culpados escapando para o aeroporto.

Não há metas para cortes de emissões de carbono e não há acordo para um tratado legalmente vinculante (com força de lei) ¿ afirmou John Sauven, diretor-executivo do Greenpeace do Reino Unido.