Título: Estatais ainda resistem a abrir contas
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 20/12/2009, O País, p. 3

Mas internet já ajuda a revelar caixas-pretas de gastos públicos

Entre avanços e atropelos, a internet começa a quebrar as caixas-pretas que escondem informações sobre gastos públicos e nomeações políticas nos três poderes. Nos últimos meses, iniciativas de diferentes órgãos ampliaram a transparência sobre o uso do dinheiro do contribuinte. No entanto, ainda há resistências à abertura das contas, algumas vezes com o respaldo de decisões judiciais. Levantamento da Controladoria Geral da União (CGU) revela que 63 órgãos e estatais federais não têm páginas de transparência em seus sites, como exige decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2005.

Na lista das instituições que descumprem a lei estão Petrobras, Correios, Telebrás e Hemobrás, 18 universidades federais e dez fundações universitárias também vinculadas ao Ministério da Educação. Muitos órgãos invocam seu regime jurídico diferenciado ou a autonomia universitária para sonegar os dados, o que é contestado pela CGU. Para o chefe do órgão, ministro Jorge Hage, os avanços esbarram no histórico de desrespeito aos cidadãos que pagam impostos.

¿ Ainda há resistências em toda parte e em todos os níveis da administração pública. Muita gente pensa que transparência demais é contraproducente.

Nós entendemos o contrário ¿ afirma.

Assembleias não divulgam dados

A situação é pior nas esferas estadual e municipal. Só no Legislativo, pesquisa da ONG Transparência Brasil revela que 26 das 27 assembleias estaduais e do Distrito Federal não divulgam dados completos sobre o uso de verbas e a atividade dos deputados.

O quadro é semelhante nas câmaras de vereadores das capitais, assim como em governos estaduais e prefeituras.

O diretor da ONG, Claudio Weber Abramo, diz que é preciso fixar regras mais claras para uniformizar a abertura das contas no país.

¿ A falta de transparência nos estados e municípios é preocupante, porque nosso modelo de gestão é descentralizado, e a população fica sem saber como o seu dinheiro está sendo gasto. No Brasil, a atitude padrão do agente público é esconder as informações.

E a divulgação dos dados é necessária para que o uso dos recursos seja vigiado ¿ ressalta Abramo.

A reação à abertura das contas teve mais um capítulo esta semana, quando o Congresso derrubou um trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que determinava a divulgação de nomes, cargos e salários de todos os servidores da esfera federal. A mudança foi proposta pelo senador Augusto Botelho (PTRR), que alegou ter sido pressionado a assinar o texto, mas omitiu a origem da ideia.

Em julho, liminar do Tribunal de Justiça de São Paulo proibiu a prefeitura paulistana de divulgar os salários de seus servidores. A decisão foi derrubada posteriormente pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O país ainda não tem uma lei de acesso a informações públicas, e a tramitação do anteprojeto enviado em maio pelo Planalto para regulamentar o assunto foi paralisada, no último dia 9, por um pedido de vista de cinco deputados.

No governo federal, as informações estão concentradas no Portal da Transparência, da CGU, que foi ampliado no início do mês e agora oferece a lista completa dos servidores por órgão e ministério. Os salários não aparecem, mas é possível calcular seus valores a partir de uma tabela de remuneração. Outra novidade foi a divulgação de um cadastro com mais de 1.400 empresas punidas por irregularidades em licitações e contratos com a União. A ideia é impedir que essas firmas continuem a tomar dinheiro de outros órgãos públicos pelo país.

Judiciário avança na transparência

Apesar dos avanços, o contribuinte ainda não tem acesso detalhado à execução orçamentária da União. Segundo a CGU, a Secretaria do Tesouro Nacional alega que a base do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) não comportaria o volume de consultas. Por isso, os números ainda são de acesso restrito a servidores e parlamentares com senhas fornecidas pelo governo.

No Congresso, a abertura das informações depende do ritmo dos escândalos.

Pressionado pela revelação dos atos secretos e das nomeações de parentes do presidente José Sarney (PMDB-AP), o Senado criou um portal com despesas e lista dos seus funcionários ¿ no entanto, muitos fantasmas e afilhados já haviam sido retirados da folha de pagamentos. Na Câmara, o contribuinte também ganhou acesso aos gastos com verba indenizatória, mas não pode conferir as notas fiscais para saber se os serviços foram efetivamente prestados.

Também não há uma relação dos assessores lotados no gabinete de cada deputado.

Conhecido como o menos transparente dos três poderes, o Judiciário deu um passo importante na terçafeira, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou resolução que obriga todos os tribunais a divulgarem informações sobre gastos e orçamento a partir de fevereiro.

¿ As inspeções do CNJ revelam gastos excessivos e casos de desvio de dinheiro. Agora, isso poderá ser fiscalizado e denunciado por todo cidadão ¿ diz o relator da medida, conselheiro Marcelo Neves