Título: O salto triplo da indústria da carne
Autor: Palocci, Antonio
Fonte: O Globo, 20/12/2009, O País, p. 7

A internacionalização dos frigoríficos brasileiros tornouse notícia na mídia econômica mundial neste ano, com as mais recentes aquisições em mercados avançados. Neste último período, nossa exportação foi multiplicada por dez, nossa pecuária teve um grande aumento de qualidade e produtividade e nossa indústria gerou a maior multinacional do setor, com peso equivalente no mercado de proteínas animais a uma Vale do Rio Doce no mercado de minérios. Um feito notável se levarmos em conta que os principais competidores são economias ricas, como os Estados Unidos, a Austrália e o Canadá.

Cabe lembrar que, até a década de 90, a cadeia da carne era das mais informais, fragmentadas e precárias. Essa virada, ocorrida em poucos anos, encerra um aprendizado para as empresas e o governo, de modo a orientar a evolução de outros setores industriais no país, em particular onde nossa vocação produtiva é mais consistente.

Inicialmente, é preciso salientar a alteração do ambiente econômico desencadeada pela estabilidade prolongada, que reduziu o componente especulativo e patrimonialista da pecuária, marcado pelas imagens bizarras da ¿caça ao boi no pasto¿, na década de 80. Além disso, ao longo da segunda metade dos anos 90, as iniciativas de regulação fitossanitária exig i r a m a a d e q u a ç ã o crescente de criadores e frigoríficos às n o r m a s i n t e r n a c i onais.

M a s o p r i m e i r o grande salto viria com a iniciativa empreendedora dos principais frigoríficos, que passaram a buscar o mercado externo com grande ousadia no início desta década, provocando dois efeitos importantes: o crescimento do peso da indústria no sistema produtivo da carne, c o m a cr i a ç ã o d e e m p re s a s d e maior porte, e o mais importante: a elevação dos padrões de eficiência e qualidade da produção, dadas a exigência dos importadores e as normas rigorosas dos grandes mercados consumidores.

O segundo salto foi d e c o rr ê n c i a d o p r imeiro: empresas que e x p o r t a m t e n d e m a formalizar sua atividade para acessar as linhas de crédito de comércio exterior. Esse movimento coincidiu com o fortalecimento de nosso mercado de capitais, fornecendo recursos para novos i n v e s t i m e n t o s . O acesso ao crédito a custos competitivos franqueou ao Brasil a posição de maior exportador mundial de carne, passando de média anual de US$ 500 milhões, ao fim da década passada, para mais de US$ 5 bilhões, no último ano, desafiando as oscilações do câmbio e as barreiras técnicas e comerciais impostas por muitos países.

O terceiro grande salto é a internacionalização.

A força financeira e comercial acumulada por nossas principais empresas deu-lhes a possibilidade de buscar aquisições em outros países, ampliando nosso acesso aos principais mercados do mundo. Além disso, este processo abre a possibilidade de diversificação da oferta de produtos como suínos, aves e alimentos processados, além da incorporação de novas competências gerenciais e financeiras.

No plano interno, esse movimento permitiu também a fusão e incorporação de marcas de grande tradição, que se viram abaladas no momento mais agudo da crise financeira atual.

Outro fator relevante a notar é a evolução da pesquisa genética no país. A combinação de iniciativas do setor privado com a excelência do trabalho da Embrapa tem sido fator decisivo para a inovação no setor, com enormes ganhos de produtividade.

Mais recentemente, a simplificação da legislação tributária trouxe novos estímulos ainda não totalmente incorporados.

Tudo indica que a estabilidade econômica, somada às medidas de fortalecimento do ambiente institucional, tem o poder de desencadear processos empresariais virtuosos.

Ademais, confirma-se que a exposição ao comércio internacional traz uma expertise fundamental, tanto no que tange à melhora do produto quanto ao impulso na adoção de melhores práticas empresariais.

Finalmente, a busca de consolidação e escalas com apoio do mercado de capitais e do BNDES está permitindo o ingresso do setor numa nova fase: a de liderança global do Brasil no setor de proteínas animais.

ANTÔNIO PALOCCI é deputado federal (PT-SP) e foi ministro da Fazenda.