Título: O esforço terá que ser muito maior
Autor:
Fonte: O Globo, 20/12/2009, Ciencia, p. 51

Para o pesquisador do Inpe, adiar decisões na COP-15 foi um erro que poderá ter preço alto para o planeta

Considerado um dos maiores especialistas em clima do Brasil, o cientista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), acompanhou as negociações da fracassada conferência da ONU em Copenhague. Segundo ele, a falta de um acordo forte para o clima vai retardar o combate ao aquecimento global até o ponto em que seja tarde demais para reverter algumas das suas consequências.

¿ Um acordo com valor legal seria importante para que todos assumissem suas responsabilidades. Quando os impactos mais graves das mudanças climáticas começarem a aparecer, pode ser tarde demais.

Roberta Jansen Enviada especial ¿ COPENHAGUE

O GLOBO: O acordo não estabelece metas obrigatórias de redução de emissões e, tampouco, tem valor de lei. O que o senhor achou? CARLOS NOBRE: Estão todos jogando o problema para a frente, adiaram a tomada de decisões. Um acordo com valor legal seria importante para que todos assumissem sua responsabilidade, mas, agora, o que pode acontecer é todo mundo colocar o pé no freio.

Existe o risco de cada um fazer o que quer e, mais à frente, quando os impactos mais graves das mudanças climáticas começarem a aparecer, terem que começar a fazer algo. Mas pode ser tarde demais.

Por quê? NOBRE: Cada vez mais estudos mostram que, se a temperatura passar de um determinado ponto, os grandes reservatórios de CO2 do planeta, como o permafrost e grandes florestas, podem liberar um enorme volume de CO2 na atmosfera, e não vai ser possível fazer nada para evitar, porque se trata de um volume muito grande. E essa desestabilização pode ocorrer em décadas.

Um outro risco é o rápido degelo da Groenlândia e da Antártica Ocidental, que poderia levar a uma elevação do nível do mar de 6 a 8 metros.

O acordo fala em limitar o aumento das temperaturas em 2 graus Celsius, mas não fala em metas globais de redução.

Com as metas voluntárias apresentadas, é possível limitar esse aumento? NOBRE: Essas metas apresentadas por todos são muito modestas, mas são de curto prazo.

Teoricamente, seria possível que, a partir de 2020, todos tivessem cortes muito maiores, bem profundos, para poder limitar o aumento a 2 graus. Ou seja, o esforço terá que ser muito maior. E teria que ser global.

A meta global que apareceu em vários rascunhos, mas acabou não sendo incluída no texto final, era de cortar 50% das emissões até 2050. Isso seria suficiente para limitar o aumento a 2 graus Celsius?

NOBRE: Uma redução de 50% das emissões globais até 2050 não garante o limite de aumento da temperatura em 2 graus Celsius até o fim do século.

Com essa redução de 50%, o aumento das temperaturas ficaria entre 2,6 graus Celsius e 2,8 graus Celsius até o fim do século.

E quais seriam os principais impactos globais desse aumento? NOBRE: Trata-se de um processo lento, de séculos. Mas com um aumento de 2 graus Celsius, a elevação seria de um metro. Com 2,6 graus Celsius a 2,8 graus Celsius, essa elevação poderia chegar a 2,5 metros. Isso sem considerar os dados de um estudo publicado na revista ¿Nature¿, segundo o qual, com uma elevação um pouco acima dos 2 graus Celsius existe o risco de uma desestabilização muito grande na Groenlândia e na Antártica Ocidental, que poderia levar a um aumento do nível do mar de 6 a 8 metros.

O que acontece com as nações insulares com um aumento das temperaturas entre 2,6 e 2,8 graus Celsius? NOBRE: No cenário de uma elevação de 2 graus Celsius, elas tendem a desaparecer na escala de alguns séculos. Mas eu queria frisar também um outro ponto. Algumas dessas ilhas têm 500 mil habitantes.

Se o mar subir um metro, desaparece também toda a Baixada Fluminense e de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, uma área muito carente, que também tem 500 mil habitantes. É claro que essa população do Rio pode ser transferida para uma área mais alta. No caso das ilhas, há a questão da nacionalidade, da cultura. Mas só estou tentando mostrar que uma elevação dessas afeta todo mundo, que seria importante considerar o aspecto absoluto e não apenas o simbólico, do desaparecimento de um país. É bem possível que em dois anos, voltemos a discutir o limite de 1,5 grau Celsius.

Como o sen hora pontou, o aumento do nível do mar é um processo lento. É possível se adaptar? NOBRE: Sim, mas o custo é muito alto.

Vamos voltar ao exemplo da Baixada Fluminense e de Jacarepaguá. Lá vivem umas cem mil famílias.

O custo para removê-las para uma área mais alta, dar a cada uma delas uma casa simples, seria de US$ 4 bilhões a US$ 5 bilhões. Estou falando de algo pequeno, numa região do Rio. Ninguém deve imaginar que adaptação é uma coisa simples.

Muitas pessoas apontam que um avanço do documento foi o REDD, o mecanismo que permite a contabilização da redução das emissões de CO2 por meio da diminuição do desmatamento e da preservação da floresta. O que o senhor achou? NOBRE: Até onde vi, acho que isso foi o que mais avançou. E o Brasil tem tudo para liderar essa dinâmica do REDD, desse novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia e as regiões tropicais do planeta de forma geral, que terá que acompanhar o mecanismo.

O Brasil pode assumir essa a liderança mundial da redução do desmatamento.

O REDD torna mais factível a meta brasileira de reduzir em 80% o desmatamento da Amazônia até 2020? NOBRE: Bem, isso certamente deverá ser mais discutido adiante, mas, pelo que o presidente Lula falou na sextafeira, em seu discurso, ele não vai usar os recursos de fora. Ele falou isso para o mundo, assumiu uma responsabilidade e é lógico que todos vão cobrar.

O documento não estabelece uma concentração de CO2, de cerca de 450 ppm, relacionada ao limite de 2 graus Celsius, como chegou a aparecer em alguns rascumhos. Houv e alguma perda? NOBRE: A um limite de temperatura, há que se apontar um máximo de emissões neste século.

Para esse limite de 2 graus, teríamos, até o fim do século, 500 bilhões de toneladas de carbono emitidas. A grande discussão seria como alocar esse espaço de carbono entre as economias do mundo, mas ela aparece bem diluída no texto. Essa discussão não pode ser evitada por mais tempo.

l Qual é o impacto sobre a Floresta Amazônica de uma elevação média da temperatura global de 2,6 graus a 2,8 graus Celsius? NOBRE: Com um aumento da temperatura de 3,5 graus a 4 graus Celsius, tem início a savanização da Amazônia. Ficaríamos muito próximo do limite crítico.

O senhor vê outro impacto significativo para o Brasil com essa elevação média? NOBRE: A agricultura brasileira precisara ser redefinida.

As culturas não poderão estar onde estão hoje, várias políticas de adaptação serão necessárias. Haverá aumento de eventos extremos.