Título: Preços abaixo da meta
Autor: Ribeiro, Fabiana
Fonte: O Globo, 14/01/2010, Economia, p. 21

Crise e câmbio fazem IPCA subir 4,31% em 2009, na 3ª menor taxa desde 1980

Acrise financeira global contribuiu para segurar os preços ao consumidor em 2009. A menor demanda mundial freou a subida dos alimentos, num movimento inverso ao que ocorreu em 2008. E, assim, no ano passado, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado ontem pelo IBGE, fechou em 4,31% - abaixo do centro da meta do governo (4,50%) e do que se viu no ano anterior (5,90%). O índice anual foi o terceiro menor desde 1980. E pela primeira vez na história recente, os preços não dispararam como consequência de uma crise internacional.

- A solidez da economia brasileira, que vem desde 1999, com metas de inflação, câmbio flutuante e ajuste fiscal, deu mais credibilidade ao país. Com a crise, o Brasil apareceu como porto seguro para o investimento. Assim, o dólar, em vez de fugir do país como em outras crises, afetando diretamente a inflação, entrou com força - afirma o professor da PUC Luiz Roberto Cunha.

A entrada de recursos fez a desvalorização do dólar frente ao real chegar a 25% em 2009. E o reflexo nos preços foi positivo.

Arroz e feijão caem, restaurante encarece

Foi o sexto ano seguido em que a meta de inflação foi cumprida. Segundo Eulina dos Santos, coordenadora de Índices de Preços do IBGE, a redução na demanda mundial por alimentos derrubou os preços das commodities internacionais. Com isso, as exportações brasileiras recuaram, aumentando a oferta de alimentos no mercado interno e segurando os preços do setor. O grupo de alimentação e bebidas subiu 3,18% em 2009, ante 11,11% em 2008. Pesou bastante nesse grupo a redução do dólar. A boa safra de alimentos como arroz e feijão, também ajudou a conter os preços:

- Alimentos importantes para a mesa do brasileiro ficaram mais baratos em 2009, como o arroz (-13,14%), o feijão preto (-44,29%) e as carnes (-5,33%). Além disso, muitos produtos passaram a custar menos devido ao dólar, como a farinha de trigo (-13,78%) e o pão francês (-1,11%).

Com alimentos mais baratos, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a inflação para as famílias de mais baixa renda, subiu só 4,11%.

Os incentivos do governo à economia, como resposta à crise, também ajudaram. Eulina ressaltou que a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para alguns produtos teve impacto na inflação. Na lista das principais quedas do IPCA no ano passado, estão itens que tiveram suspensão ou corte de IPI, como cimento (-5,94%), eletrodomésticos (-4,85%) e automóvel novo (-3,62%).

Uma das heranças de 2008 recaiu sobre os preços dos itens administrados e monitorados -- que são indexados por índices de inflação dos últimos 12 meses. Entre as principais variações nesse grupo, estão passagens aéreas (31,88%), gás de botijão (13,74%), plano de saúde (6,38%), remédios (5,83%), energia elétrica residencial (4,68%) e telefone celular (2,54%). As tarifas pressionaram os custos dos restaurantes e, assim, a refeição fora de casa, mesmo com a subida menor dos alimentos, ficou 9,05% mais cara, na maior contribuição no IPCA em 2009, repetindo o comportamento de 2008.

Para o analista econômico da consultoria Guedes & Pinheiro, José Ricardo Bernardo, o setor de serviços (escolas, academias e outros) tem aumentado seus preços acima da inflação este ano:

-- Esse cenário, atrelado à confiança do consumidor, pode gerar uma inflação acima do centro da meta este ano - acredita o analista, para quem o Banco Central (BC) deve elevar a taxa básica de juros (a Selic, que está em 8,75% ao ano) já no segundo trimestre, para diminuir o ímpeto do consumo e segurar o aumento do crédito.

Serviços podem pressionar em 2010

Para Tatiana Pinheiro, economista do Santander, o setor de serviços merece atenção. Em 2009, o segmento apresentou variações acima da inflação.

-- Esse segmento deve permanecer na casa dos 6% ou 7%. Mas não chega a comprometer a inflação, já que suas altas serão compensadas pelo comportamento de administrados - disse Tatiana, para quem o BC deve elevar os juros somente no segundo semestre.

Segundo Gabriel Santini, economista da Fecomércio-RJ, o cenário de 2010 é positivo:

- Há expectativa de safras maiores, o dólar deve permanecer nesse patamar mais baixo, e os administrados carregam uma herança de índices que foram negativos em 2009.

Em janeiro, porém, o IPCA poderá ser pressionado pelos alimentos in natura. Para a LCA Consultores, a inflação deve ser de 0,53% neste mês.

- O que já se sabe é que, em janeiro, devem aparecer os efeitos de alta em ônibus intermunicipal (de 7,5% no Rio) e ônibus interestadual (com retirada de descontos). E as chuvas continuam, o que pode prejudicar as lavouras mais sensíveis, como as hortaliças - disse Eulina.

Em nota, o presidente do BC, Henrique Meirelles, comemorou o cumprimento da meta de inflação em 2009 e, num tom mais político, disse que os preços sob controle vão permitir ao Brasil entrar na "segunda década do século XXI com respeito internacional", boas expectativas de crescimento e "redução substancial das desigualdades sociais".

COLABORARAM Cássia Almeida e Patrícia Duarte