Título: Instabilidade ameaça integração sul-americana
Autor: Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 14/01/2010, Economia, p. 26

Instabilidade ameaça integração sul-americana Para integrantes do governo Lula, ações polêmicas de Venezuela, Argentina e Bolívia podem comprometer Mercosul

BRASÍLIA. O quadro de insegurança jurídica que paira sobre países como Venezuela, Argentina e, mais recentemente, Bolívia é visto com preocupação pelo governo brasileiro. Mas não por risco de contaminação da imagem do Brasil junto a investidores internacionais. O que existe hoje é o temor velado de que o projeto de integração na América do Sul fique ameaçado, justamente no último ano de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um de seus maiores fiadores.

Em uma avaliação reservada, alguns integrantes do governo entendem que uma coisa é o Brasil se firmar como líder de um continente próspero, em ordem.

Outra é se destacar em uma região tumultuada. Ou seja, atuar em bloco com países que vêm perdendo credibilidade em razão das personalidades de seus líderes faz com que instituições como o Mercosul e a Unasul (União das Nações Sul-americanas) acabem perdendo força junto à comunidade internacional.

¿ A estabilidade de nossa economia nos deixa tranquilos quanto à percepção dos investidores em relação ao Brasil e a outros países vizinhos. Mas não é saudável para Mercosul e Unasul terem economias boas e outras confusas ¿ disse um técnico da área econômica.

Analista: Chávez ampliará confusão no Mercosul Nas últimas semanas, o continente se viu pautado por uma grave crise institucional na Argentina.

Divergências em torno do uso das reservas cambiais para o pagamento de dívidas entre a presidente Cristina Kirchner e o dirigente do Banco Central argentino, Martín Redrado, tornaram-se públicas, com efeitos que poderão ser irreversíveis para a credibilidade do país, já afetado desde a moratória, no início da década, pela falta de crédito internacional.

Somam-se a isso mudanças radicais no câmbio, feitas pelo venezuelano Hugo Chávez no fim da semana e, mais recentemente, a possibilidade de uma nova onda de estatizações na Bolívia, em meio a ameaças do presidente Evo Morales.

Na avaliação de técnicos das áreas econômica e diplomática, a economia brasileira já está plenamente descolada dos arroubos que vêm sendo cometidos pelos líderes sulamericanos.

Isso vale até para outros presidentes da região com potencial de criar situações desconfortáveis, como os do Equador, Rafael Correa, e do Paraguai, Fernando Lugo.

Para o analista político da consultoria MCM, Ricardo Ribeiro, sem dúvida o clima de tensão política na América do Sul é ruim. Porém, com relação ao Brasil, ele concorda que, ao contrário de anos atrás, o país é bem visto junto à comunidade internacional.

¿ A imagem do Brasil está muito descolada sobre o que acontece no continente. O mercado internacional tem informações suficientes para diferenciar o Brasil ¿ afirmou Ribeiro.

Além dos problemas na Argentina, a personalidade ¿voluntarista¿ do presidente da Venezuela tende a atrapalhar ainda mais o Mercosul, na opinião do consultor do núcleo de negócios internacionais da Trevisan Consultoria, José Alexandre Hage.

¿ A confusão vai aumentar no Mercosul com o estilo de Hugo Chávez, junto ao seu viés antiamericano.

Investimentos podem ser redirecionados para o Brasil O especialista em comércio exterior da Fundação Instituto de Administração (FIA), Celso Grisi, defendeu a harmonização, tendo como horizonte o longo prazo das políticas econômicas na região, entre elas monetária e fiscal. Entre as discrepâncias que ele vê no continente estão os índices de inflação que, na Venezuela, está em 25% ao ano.

Na Argentina, lembrou, os índices são manipulados a ponto de ninguém acreditar neles. E na Bolívia, acrescentou, há dificuldade para fechar as contas internas e externas: ¿ No fundo, isso pode ser bom para o Brasil, pois restariam poucas opções para a recepção de investimentos externos na América do Sul.

A integração econômica, observou uma fonte, deve passar, obrigatoriamente, pelo alinhamento político. E as propostas do Brasil devem seguir o princípio da não intervenção em assuntos internos.