Título: Tristeza de Garanhuns a Santa Maria
Autor: Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 14/01/2010, O mundo, p. 31

Tristeza de Garanhuns a Santa Maria Segundo familiares de mortos, integrar missão de paz da ONU era motivo de orgulho Letícia Lins e Carlos Souza* RECIFE e PORTO ALEGRE. Ser militar era um sonho que o sargento do Exército Davi Ramos de Lima, de 37 anos, alimentava quando menino. E integrar a missão de paz da ONU no Haiti era motivo de orgulho não só para ele, como para a família ¿ inclusive um irmão que, com mulher e três filhos, iria recepcioná-lo no sábado, em São Paulo. Nascido em Garanhuns, no agreste pernambucano, Lima é uma das vítimas do terremoto que atingiu o Haiti. ¿ Infelizmente a viagem se tornou de despedida. A madrugada de hoje (ontem) foi uma das piores de nossas vidas ¿ lamentou Ari Lima, um dos sete irmãos do militar. ¿ Desde criança ele gostava de brincar de soldado e sempre falava em servir ao Exército. Davi se inspirou em nosso pai, que é militar e sempre foi muito controlado. Mas, ainda assim, ele chorou muito ontem, não segurou a barra. Segundo Ari, o irmão nem hesitou em enfrentar a missão, apesar de ter consciência dos perigos locais, devido à situação política do Haiti. Lima, que servia no Quinto Batalhão de Infantaria Leve, em Lorena (SP), mostrava orgulho em integrar uma força internacional naquele país. O militar deixou viúva, dois filhos e uma enteada. Depois de seis meses em missão no Haiti, o tenente Bruno Ribeiro Mário, de 26 anos, e o cabo Douglas Pedrotti Neckel, 23 anos, ambos gaúchos, já estavam com as malas prontas para retornar ao Brasil. Mário desembarcaria no sábado na Base Aérea de Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, e depois seguiria para Santa Maria, onde a família estaria à sua espera. Os familiares de Neckel, de Cruz Alta, no noroeste do Rio Grande do Sul, agora residem em Lorena, onde os dois militares serviam ao Exército. A festa pelo retorno de Mário, nascido em São Gabriel, também no Rio Grande do Sul, teria um motivo adicional. No dia 8 de fevereiro, o tenente faria aniversário. Sua simples presença em casa já seria motivo de comemoração para a família, uma vez que há três anos ele servia no 5º Batalhão de Infantaria Leve de Lorena. A morte abalou os pais do oficial, o capitão da reserva Alacir e a dona de casa Ângela. A família foi avisada por representantes do Exército na madrugada de ontem, por volta das 4h. Um tio paterno de Mário, Arnaldo, que mora em Santa Catarina, viajou para confortar o irmão. ¿ A dor é muito grande, não temos condições de falar ¿ disse um familiar, por telefone. O último contato da família com o tenente ocorreu na segunda-feira, pela internet. Esse tipo de comunicação era frequente entre o militar e os pais e a irmã. Solteiro e sem filhos, Mário tinha namorada. Os amigos o consideravam uma pessoa de bom convívio. Familiares do cabo Neckel o descreveram como um "cara fora de série, que gostava de ajudar as pessoas necessitadas". Ele estava feliz no Haiti, onde integrava a missão de paz desde junho, mas revelava ansiedade pelo retorno, durante os frequentes contatos que mantinha com o Brasil, por telefone ou pela internet. Sua família trocou Cruz Alta, onde ainda moram parentes, por Lorena há 12 anos. Neckel e Mário retornariam ao Brasil com outros 39 militares, integrantes do Batalhão de Engenharia de Construção, de Lages (SC), e do Batalhão de Engenharia de Combate, de Porto União, também em Santa Catarina. (*)Especial para O GLOBO MÁRIO: aniversário em fevereiro LIMA: sargento orgulhava-se de integrar força de paz