Título: Militares do Brasil morrem no ultimo dia da missão
Autor: Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 14/01/2010, O mundo, p. 31

Militares do Brasil morrem no último dia da missão Das 11 vítimas, dez estavam há seis meses no Haiti e se preparavam para voltar. Sete estão desaparecidas Catarina Alencastro e Wagner Gomes* BRASÍLIA e LORENA. Pelo menos 11 militares brasileiros morreram no terremoto que atingiu a capital do Haiti, Porto Príncipe. Eles faziam parte da Missão de Estabilização das Nações Unidas no país (Minustah). Dos 11 mortos, dez já estavam há seis meses no Haiti e tinham as malas prontas para retornarem ao Brasil ontem, dia seguinte à tragédia. Pouco mais de 12 horas após o terremoto, o avião da FAB que os traria de volta tentava, sem sucesso, pousar no aeroporto da capital haitiana. A aeronave levava 130 militares que substituiriam aqueles que já haviam encerrado sua participação. Diante da situação, acabou retornando ao país. O Brasil tem 1.266 militares da Marinha e do Exército no Haiti. Segundo informações da assessoria do senador Flávio Arns, sobrinho de dona Zilda Arns, um dos militares mortos a acompanhava quando o terremoto os apanhou numa igreja de Porto Príncipe. Aqueles que se encontravam no Comando do Batalhão Brasileiro (Brabatt), a maior parte do efetivo brasileiro, tiveram mais sorte. O batalhão foi um dos locais menos afetados pelo tremor. Segundo o general Carlos Alberto Neiva Barcellos, após os abalos muitas pessoas correram ao Brabatt em busca de ajuda. Equipes brasileiras ajudam no resgate das vítimas O general disse que, logo após o terremoto, as equipes brasileiras já começaram a trabalhar no resgate das vítimas. Um dos grandes problemas é a locomoção pelas ruas, que estão cobertas de escombros de prédios que tombaram. Os militares socorrem as vítimas a pé. Além dos 11 militares mortos, outros nove ficaram feridos ¿ a maioria com escoriações e fraturas¿ e sete ainda estavam desaparecidos na noite de ontem, entre os quais o sargento Aurélio Carlos Custódio Júnior, de 37 anos. A maioria dos feridos está sendo tratada no Hospital Argentino da Minustah, e dois foram encaminhados para a República Dominicana. O militar mais graduado morto no terremoto, coronel Emilio Carlos Torres dos Santos, participava de uma reunião no Hotel Cristopher, que funcionava como posto de comando da Minustah. Segundo o Exército, ele (que ainda ficaria no Haiti) e outros oficiais de vários países foram surpreendidos no meio da reunião. O prédio onde estavam desabou em três segundos. O coronel Torres dos Santos tinha 45 anos e era o braço-direito do comandante da missão da ONU, o general brasileiro Floriano Peixoto Vieira Neto. O general, que certamente estaria na reunião, estava de folga, fora do Haiti, e escapou da morte. Torres dos Santos integrava o gabinete do comandante do Exército, general Enzo Martins Pery, e, segundo seus amigos, gostava de participar de missões de paz. Em serviço, durante um treinamento do Exército na Amazônia (Pará), contraiu leishmaniose. Para curá-la, aderiu a um tratamento alternativo. Ainda não há previsão para liberação dos corpos O soldado Tiago Anaya Detimermani, de 23 anos, também morreu. Segundo testemunhas, ele estava numa guarita que desabou. ¿ Falei com ele pela última vez na noite de Natal. Ele pediu a bênção e disse que estava com muita saudades. Pedi que ele ficasse com Deus ¿ lembrou a mãe do soldado, Dalila. Anaya se casou em 2008, mas ainda estava vivendo com a mulher na casa da sogra. Dalila contou que ele foi para o Haiti para juntar dinheiro, construir uma casa e poder ter um filho. ¿ Uma viagem como essa iria garantir a ele recursos para realizar o sonho. Além de Anaya, outros seis mortos eram do 5º Batalhão de Infantaria Leve, em Lorena, São Paulo: o soldado Antonio José Anacleto, os cabos Douglas Pedrotti Neckel e Washington Luis de Souza Seraphin, os sargentos Davi Ramos de Lima e Leonardo de Castro Carvalho, e o tenente Bruno Ribeiro Mário. ¿ Os riscos são inerentes à missão. Não foi o primeiro terremoto no Haiti. Na preparação da viagem há orientação para uma situação como essa. Ficamos consternados. Isso afeta o moral, mas não significa que vamos esmorecer ¿ disse o general Araújo Lima, da 12ª Brigada de Infantaria Leve de Caçapava, que comanda também o batalhão de Lorena. Segundo o general, a comunicação com o Haiti está muito ruim e não se sabe ainda quando a ONU vai liberar os corpos. ¿ Já dá para imaginar sofrimento noite e dia até o corpo do meu irmão chegar ¿ disse Graziela Anaya, irmã de Tiago. Dos sete mortos, um tinha família em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e outros dois (Leonardo de Castro Carvalho e Raniel Batista de Camargo) eram de São João Del Rey e Patos de Minas, em Minas Gerais. Todos serão enterrados com honras militares. (*)Enviado especial A lista dos mortos De acordo com o Exército brasileiro, os militares cujas mortes no Haiti foram confirmadas até agora são: o 1º tenente Bruno Ribeiro Mário, o 2º sargento Davi Ramos de Lima, o 2º sargento Leonardo de Castro Carvalho, o cabo Douglas Pedrotti Neckel, o cabo Washington Luis de Souza Seraphin, o soldado Tiago Anaya Detimermani, o soldado Antonio José Anacleto, o cabo Arí Dirceu Fernandes Júnior, o soldado Kleber da Silva Santos, o subtenente Raniel Batista de Camargos e o coronel Emilio Carlos Torres dos Santos. A MÃE DO SOLDADO Anaya (na foto menor), Dalila, chora ao falar do filho morto no Haiti sem realizar seus sonhos O SARGENTO Aurélio Carlos, um dos sete desaparecidos no tremor que atingiu anteontem o Haiti