Título: Eleição não vai afetar economia
Autor: Mantega, Guido
Fonte: O Globo, 23/12/2009, Economia, p. 27

Para ministro, teoria de perturbação em ano eleitoral é falsa e BC não deve subir juros

BRASÍLIA. Orgulho é o que se vê na fisionomia do ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao falar sobre a economia brasileira durante a crise mundial iniciada em 2008. Em entrevista, afirmou que o o candidato à sucessão do presidente Lula que falar em mudar a política econômica ¿vai perder¿. Mantega descartou o cenário que teme o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles ¿ que em entrevista ao GLOBO afirmou que a eleição presidencial pode trazer tensão à economia: ¿ Essa teoria é falsa ¿ sacramentou Mantega.

Citando Meirelles, afirmou que não há motivos para alta de juros em 2010. Na área cambial, lembrou ter alertado o presidente Lula em 2006 sobre a necessidade de agir para conter a valorização do real ¿ o que teria desencadeado o aumento da compra de reservas internacionais. Hoje, a cotação do real (acima de R$ 1,70) se aproxima ao patamar de 2006: ¿ O câmbio nunca é uma questão resolvida, mas a tendência é benigna.

Flávia Barbosa e Martha Beck

O GLOBO: O senhor acredita que o ano eleitoral pode gerar tensão e prejudicar a economia em 2010?

GUIDO MANTEGA: Essa teoria de que ano de eleição é ano de perturbação na economia é falsa. Era verdadeira no passado, porque toda vez que você tinha eleição você tinha uma crise econômica. Em 1989, você tinha quase uma hiperinflação. Você não tinha reservas, podia sofrer um ataque especulativo. Em 2006, isso já não foi verdadeiro. A eleição não atrapalhou a economia. Em 2010, com mais razão, essa perturbação não vai acontecer.

O que garante isso?

MANTEGA: A economia está mais sólida, temos mais reservas, situação fiscal boa, inflação baixa, emprego aumentando, população mais satisfeita e candidatos responsáveis. Nenhum deles vai jogar fora esse trabalho que foi feito. Política econômica eficiente e que dá resultado não se muda. Se algum candidato ousar dizer que vai mudar a política social, acabar com o Bolsa Família, reduzir o ritmo de crescimento, vai perder. Pode até aparecer alguém que mude, mas ele só vai ter 6% dos votos, que é o percentual de quem acha o governo ruim ou péssimo.

Qual será a sua contribuição para eleger o sucessor do presidente Lula?

MANTEGA: Minha maior contribuição à eleição do sucessor do presidente é continuar fazendo uma política econômica eficiente.

Existe uma preocupação em relação à política fiscal.

MANTEGA: Existia até ontem (quando foi anunciado que a arrecadação teve o melhor novembro da história)

Mesmo assim, oposição e economistas têm criticado a política fiscal do governo Lula, apontando que a forte alta de gastos, como pessoal, compromete as contas públicas. Aponta-se um salto na dívida pública bruta. O senhor não vê nenhum risco?

MANTEGA: Tem analista que é pago para encontrar problemas. No caso da dívida (bruta): essa conversa surgiu com os empréstimos ao BNDES. Mas eles vão ser devolvidos, em qualquer empresa não é dívida. Realmente gastamos com servidor, mas porque aumentamos o número de policiais federais, de professores. Educação é um gasto salutar. E vamos acabar 2009 com 5,09% do PIB (de gastos com pessoal), que é mais ou menos o mesmo do governo Fernando Henrique. E aprovamos o teto para aumento da folha de pagamento da União, que é uma salvaguarda importante.

Há risco de não cumprimento das metas de superávit fiscal?

MANTEGA: Não. Vamos entregar 2,5% do PIB este ano e 3,3% em 2010. E a dívida voltará à trajetória de queda.

Muitos analistas têm visão curta, projetaram resultado enquanto a receita caía, sem vislumbrar que ela subiria. A ordem é calibrar. Fizemos contingenciamento, pergunte aos ministros se receberam tudo que orçaram.

O crescimento mais forte em 2010 pode gerar pressão por alta de juros?

MANTEGA: Eu não acredito que o Banco Central (BC) aumente juros porque ele não fará nenhuma elevação desnecessária. O presidente do BC deu uma entrevista para O GLOBO (no último domingo) dizendo que acredita que não há necessidade de subir, que a inflação estará comportada em 2010. Se tem outras pessoas sinalizando em outra direção, eu acredito mais no presidente do BC.

As medidas adotadas para conter a forte valorização do real frente ao dólar foram suficientes?

MANTEGA: Com as medidas que nós tomamos, nós seguramos os excessos.

Além disso, a tendência é que o Fed (BC americano) suba os juros (atraindo capital para o mercado dos EUA). Nós temos um déficit em transações correntes que eu acho que vai ficar em, no máximo, 3% do PIB em 2010. Isso vai durar um ou dois anos, que é o período em que a economia mundial está desaquecida. Depois, voltaremos a exportar e a diminuir o déficit corrente. Eu acho que o real não vai se sobrevalorizar.